O Censo Escolar da Educação Básica de 2013 mostra que as matrículas no ensino integral, principal contribuição de Leonel Brizola à educação, cresceram 45,2% no último ano. O número parece um presente em memória do político, cuja data de morte completa uma década neste 21 de junho de 2014.
O ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul é apontado como responsável pela massificação do ensino no território gaúcho. Entretanto, sua principal proposta educacional – e que gerou polêmica – aconteceu somente na década de 1980: a criação dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) no Rio.
Como prefeito de Porto Alegre, eleito em 1955, que estreitou sua relação com a educação ao promover a criação de colégios de turnos tradicionais na capital gaúcha, prática que continuou, em nível estadual, quando se tornou governador em 1958. Com o lema “Nenhuma criança sem escola no RS”, foram construídas cerca de 5,9 mil escolas primárias sob sua regência.
Durante seus dois mandatos como governador do Rio de Janeiro (1983 a 1987 e 1991 a 1994), no entanto, sua preocupação foi outra. Brizola pôs em prática seu projeto de maior repercussão na educação, os Cieps, acompanhado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, autor da pedagogia do plano, e pelo arquiteto Oscar Niemeyer, criador da planta dos prédios. Os Cieps eram escolas de ensino integral, que contavam com salas de aula, refeitórios, ginásios poliesportivos, bibliotecas, alojamentos e assistência médica e odontológica.
O professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) José Misael Vale fez uma excursão a dois Cieps cariocas com seus alunos no início da década de 1980. Defensor do método pedagógico que surgia, Vale afirma que não havia fundamento em algumas críticas aos Cieps. Alegava-se, por exemplo, que essas escolas não tinham preocupação com o conhecimento – o que, segundo ele, não se confirmava.
“Para mim, o único meio de resolver o problema social na época (pais que não tinham onde deixar os filhos para irem trabalhar), de maneira inteligente, era o ensino integral. Além disso, ela oferecia educação de qualidade à criança”, conta. O professor destaca o horário de funcionamento – das 8h às 17h e, às vezes, à noite, para alunos mais velhos que haviam deixado a escola -, bem como a alimentação, a assistência médica e odontológica e os alojamentos oferecidos aos alunos como “novidades interessantes”.
No entanto, uma reclamação frequente de que o professor tomava conhecimento era a falta de profissionais para atender as diretrizes do novo plano pedagógico. “Havia equipes para criar o material didático, para treinamento de pessoal, para oferecer cultura e recreação, para o estudo dirigido nas bibliotecas, para a educação juvenil (à noite). Toda essa demanda tornava comum essa queixa. A educação, muitas vezes, era feita com os profissionais disponíveis. Não necessariamente os ideais”, critica.
José Roberto Rus Perez, professor da Faculdade de Educação da Unicamp, acredita que Brizola conseguiu se destacar no Rio de Janeiro com uma proposta diferente para a educação em um momento em que quase todos os candidatos “levantavam as mesmas bandeiras”: democratização, fortalecimento de políticas sociais, universalização da educação básica e erradicação do analfabetismo. “Brizola trouxe o tema da educação integral, por influência de Anísio Teixeira, pela preocupação com a redução da pobreza, pelo número de crianças nas ruas, entre outros motivos.”
Entre os que desaprovavam a inserção do ensino integral no RJ, estavam diretores, professores e até mesmo pais de alunos, de acordo com Perez. “Na época, ganharam mais visibilidade os argumentos desfavoráveis aos Cieps”, diz. Segundo ele, houve professores descontentes pela mudança exigida em sua jornada, o que os impossibilitava de trabalhar em outros lugares. Assim como existiram diretores que se declaravam sobrecarregados pela administração complexa dos Centros. A queixa de alguns pais foi de que, mediante a transformação, os filhos passaram a não poder ajudar tanto em casa ou trabalhar.
Romildo Bolzan Júnior, presidente do diretório regional gaúcho do PDT, que Brizola ajudou a fundar, ressalta que a campanha pelo ensino integral segue em pauta na política brasileira. “Pode haver uma adequação nos projetos ao longo do tempo, mas o principal, o ensino que agrada e mantém o aluno estimulado, que acompanha suas necessidades, ainda é o mesmo”. Além disso, Bolzan Júnior ressalta que outro objetivo de Brizola é necessário para o sucesso do modelo de ensino de Darcy Ribeiro. “Também se defende, no partido, a federalização da educação, onde os deveres passam a um órgão comum”, diz.
Cieps com ensino integral diminuem 55% no RJ em 32 meses
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, houve decréscimo de 54,6% no número de Cieps que oferecem o ensino integral em aproximadamente dois anos e meio. Em novembro de 2011, reportagem do Terra apontou a iniciativa como fracasso no Estado carioca e no Rio Grande do Sul.
Na época, apurou-se que dos cerca de 500 Centros construídos durante os mandatos de Brizola no Rio, 307 seguiam sob tutela estadual, e 150 ofereciam ensino integral. Atualmente, há 285 Cieps em funcionamento, sendo que 68 unidades mantêm o modelo de educação.
Perez, no entanto, não acredita que o projeto pedagógico de Darcy Ribeiro esteja em baixa. “O tema da educação de tempo integral entrou definitivamente na agenda educacional. Está presente na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996) e na atual política educacional do MEC (Ministério da Educação)”, contesta.
O Plano Nacional da Educação (PNE) tem como uma de suas metas “adotar progressivamente o atendimento em tempo integral para as crianças de 0 a 6 anos”. Segundo o documento, o cumprimento de deveres escolares, prática de esportes, desenvolvimento de atividades artísticas e alimentação adequada é uma forma de diminuir desigualdades sociais e ampliar as oportunidades de aprendizado.
Censo Escolar mostra expansão do ensino integral
A meta de ensino integral do PNE é factível de ser alcançada, nas palavras do ministro da Educação, José Henrique Paim. Para afirmar isso, Paim tomou como base o Censo Escolar da Educação Básica de 2013, divulgado em 25 de fevereiro, que aponta o crescimento de 45,2% de matrículas em educação integral no ensino fundamental no último ano. Desde 2010, o aumento foi de 139%.
Conforme o MEC, 3,1 milhões de estudantes estão nessa modalidade de ensino. Os números são apontados como consequência da atuação do Programa Mais Educação, que incentiva secretarias estaduais e municipais oferecerem educação integral, com a transferência de recursos federais.