Na transmissão oficial, exibida por emissoras em todo o mundo, a cena durou apenas sete segundos.
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis disse nesta quarta-feira (18) que sabia desde março que a exibição do exoesqueleto durante a abertura da Copa do Mundo, no último dia 12, teria curta duração e, por isso, precisou adaptar os planos iniciais da apresentação do projeto “Andar de Novo”.
Em entrevista ao G1, ele comentou que inicialmente estava previsto um jovem paraplégico se levantar da cadeira de rodas, andar alguns passos e dar um chute na bola, que seria o “pontapé inicial” do Mundial do Brasil. Mas a estratégia foi revista após a Fifa informar que o grupo teria 29 segundos para realizar a demonstração científica.
Na última quinta-feira, o voluntário Juliano Pinto, de 29 anos, deu um chute simbólico na bola da Copa usando o exoesqueleto. Na transmissão oficial, exibida por emissoras em todo o mundo, a cena durou apenas sete segundos.
“Era o plano original [levantar da cadeira de rodas e realizar o chute], mas com 29 segundos e com a pressão que nós sofremos, simplesmente era impossível fazer. Não teria como ele ir ao meio de campo e sair com o robô sem que usássemos um carrinho. Aparentemente a Fifa não permitiria isso porque poderia danificar o gramado", explica Nicolelis.
"Fazia semanas que estava definido que seria na lateral, mas imaginei que haveria algum anúncio do tipo ‘olha, agora vamos prestar atenção numa coisa assim’ porque era um fato inédito sendo apresentado. Mas o importante é que foi feito”, afirma.
Nicolelis nega que a Fifa possa ter diminuído o tempo de exibição do trabalho porque não confiaria no projeto e afirma que o secretário-geral da entidade, Jerôme Valcke, viu a exibição do exoesqueleto dias antes, na própria Arena Corinthians, onde o grupo montou um laboratório provisório para realizar testes. “Fizemos três demonstrações privadas para a Fifa. O secretário-geral viu três chutes e aprovou pessoalmente.”
Na última semana, o Comitê Organizador da Copa do Mundo, responsável pela cerimônia, informou que o evento aconteceu dentro do tempo previsto e conforme ensaios realizados.
O neurocientista minimizou as críticas recebidas após a rápida apresentação na Arena Corinthians: “Tenham calma, não olhem para isso com comentários de futebol. Tem que conhecer tecnicamente e saber o esforço. Robótica não é filme de Hollywood, tem limitações que nós conhecemos. O limite desse trabalho foi alcançado. Os oito pacientes atingiram um grau de proficiência e controle mental muito altos, e tudo isso será publicado”, garante.
Resultados
Sobre a pesquisa, Nicolelis disse que o fato de ter sido exibido o chute com a ajuda do exoesqueleto não significou que o projeto acabou. Ele explica que foram 17 meses de pesquisa “do zero” até se chegar ao robô apresentado e que ainda há pelo menos 30 meses de trabalho pela frente.
Um aperfeiçoamento deve ser feito, como a redução do peso de 30% da veste mecânica (que tem 70 kg), além de novos testes com os voluntários participantes, para avaliar a performance deles e modificar a rotina de treinos com o equipamento.
Uma das metas a longo prazo do grupo é desenvolver um exoesqueleto para ser utilizado em ambientes internos, voltado a pessoas com lesão na medula e outros tipos de paralisia, dando mobilidade e qualidade de vida aos usuários. A etapa seguinte seria aperfeiçoar a máquina para uso externo. Ele afirma que há empresas internacionais interessadas no produto, mas disse que vai demorar até que o equipamento chegue à fase comercial.
50 horas de testes
Mais de 156 pesquisadores de vários países integraram um consórcio responsável pela investigação científica, encabeçado por Nicolelis, professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e do Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra (IINN-ELS).
Até agora, os testes com os oito voluntários duraram 50 horas. Cada um usou mais de uma vez o equipamento e, a cada uso, o paraplégico deu ao menos 120 passos.
O cientista explica que os integrantes do grupo, todos vítimas de queda ou acidente de trânsito, relataram sentir as próprias pernas enquanto usavam o exoesqueleto devido ao chamado "feedback tátil".
Uma veste com elementos vibratórios transmite aos braços do paciente sinais do contato da máquina com o chão, dando a sensação da pisada e movimentação dos músculos da perna e do abdômen. “Uma das voluntárias disse ter sentido a perna e o pé queimando. Isso é um achado importante, talvez o mais importante, porque mostra que sem o feedback tátil, esse exoesqueleto não vai ser útil.”
Nova exibição
O pesquisador pretende fazer novas demonstrações do robô em 2015, ainda no primeiro semestre, mas que vão depender do aval da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do governo federal, que investiu R$ 33 milhões no projeto. Outros aportes, de valores não revelados, foram feitos por doadores do Brasil e do exterior. Mas Nicolelis disse que, ao longo da sua carreira (cerca de 20 anos), arrecadou mais de US$ 60 milhões, que também foram investidos em várias áreas de pesquisa que contribuíram para a criação do exoesqueleto.
Sobre a publicação dos resultados obtidos em revistas científicas, o brasileiro afirma que os artigos devem demorar até um ano e meio para serem publicados. Ele não sabe um número exato de “papers”, mas afirma que nos 17 meses de trabalho foram registrados avanços nas áreas de robótica, ensaios clínicos, neurociência, além da integração de tudo isso como experimento científico.
Esperança de andar de novo
Raimundo Reis de Macedo, de 38 anos, foi um dos voluntários da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) a participar do experimento. Ele perdeu os movimentos da parte inferior do corpo em 2009, após um acidente de motocicleta.
Macedo disse que o exoesqueleto aumentou a esperança dele de voltar a andar. "A sensação de movimentar novamente suas pernas, sentir o toque e o movimento dos joelhos é maravilhosa. É como dar o primeiro beijo", diz.
Na última semana, o G1 entrevistou Juliano Pinto, que usou o exoesqueleto na Arena Corinthians, antes da partida entre o Brasil e a Croácia. O jovem de Gália (SP) – que ficou paraplégico após um acidente de carro – disse que recomendaria essa experiência a todos e comentou sobre o momento que viveu.
"São sete anos e meio de lesão medular, não tendo o movimento dos membros inferiores. Depois de tudo, poder recuperar o controle deles, mandar no destino dos seus pés para que eles funcionem… O exoesqueleto fez isso de novo para a gente, trazendo os movimentos que perdemos. Posso dizer que é algo extraordinário, que se todo mundo pudesse fazer, iria amar”, explicou o voluntário.