Até dicionário serviu de arma secreta na acirrada disputa pela atenção feminina na Vila Madalena, na Zona Oeste de São Paulo, durante a "micareta" pós-jogo do Brasil na segunda-feira (23). Segurando um exemplar surrado, do tipo escolar, o analista jurídico Fábio Barboni, de 27 anos, explicava a estratégia inusitada: "Eu falei: ‘Vou dar de louco e fingir que sou gringo’. Se a menina fala português, faço que não entendo e mostro o dicionário, para ela apontar o significado das palavras. Dá certo". Orgulhoso do plano, admitiu não saber "falar uma única palavra em inglês".
O escudeiro de Barboni na iniciativa era João Paulo Perdigão, de 24 anos, dono de um salão de cabeleireiro na Zona Sul de São Paulo ("é o Jacques Janine da quebrada", explicaram os amigos). Em 2 horas de atuação, por volta das 20h, Perdigão dizia ter conseguido, até ali, beijar só uma menina. Em seguida, reconheceu a vantagem no placar do parceiro de “teatro”. "Ele já pegou quatro, mas, se juntar, não dá duas." Barboni devolveu com uma metáfora adequada ao clima de todos contra todos: "Todo urubu, na guerra, é frango".
A dupla marcou posição no cruzamento das ruas Aspicuelta e Mourato Coelho. Se a boêmia Vila Madalena – bairro apontado pela São Paulo Turismo (SPTuris) como o principal destino dos turistas para assistir aos jogos da Copa do Mundo na cidade – fosse campo de jogo, aquela esquina seria a grande área.
Mas as meninas descobrem quem é quem e reprovam a mentira. "Tem cara que chega e mistura inglês, espanhol, a gente percebe", conta a projetista Verônica Nogueira, de 22 anos, que recebeu apertões e puxões ao subir a Rua Aspicuelta em direção à Fradique Coutinho. "Acho que o brasileiro não precisa fingir. Quer dizer, se o cara se garante…", completa a amiga Josy Nogueira, de 27 anos, sem se dar conta de que um vendedor ambulante ao seu lado segurava a placa: "Keep calm, we speak english".
No bairro repleto de bares e restaurantes, e com ruas bloqueadas por causa da Copa, o fluxo era intenso desde horas antes do início de Brasil x Camarões. Com as ruas tomadas, as pessoas se espremiam para conseguir circular. Os esbarrões eram inevitáveis – e favoráveis às abordagens. Perto das inúmeras caixas de isopor com bebidas colocadas sobre o asfalto por ambulantes, formavam-se grupos. A cada gol, havia chuva de cerveja e de outros líquidos menos identificáveis.
Quando Fred anotou o terceiro gol da seleção, aos 3 minutos do segundo tempo, uma garota ergueu o dedo indicador para cima. Nada a ver com o jogo propriamente: ela celebrava o fato de estar beijando, enfim, um estrangeiro. Ele era o americano Eric, de 24 anos, que se recusou a fornecer o sobrenome ao repórter do G1. Com camisa do Brasil, ruivo e de olhos azuis, o turista parecia à vontade na condição de centro das atenções. Estava rodeado por três garotas e dois rapazes, todos nativos.
Perguntado se aquela era a primeira brasileira com quem teve contato mais íntimo desde que chegou ao país, no dia 12 de maio, Eric optou pelo romantismo: "Sim, claro!". Depois, refez a conta e achou que "umas 20" estavam de bom tamanho. Ao ser informado de que a parceira da vez tinha 17 anos de idade, indagou, irônico: "Será que eu devo correr daqui?".
Não era para tanto. Os policiais mais próximos estavam ocupados em coibir, ao menos em parte, o funcionamento de um "mijódromo" ali perto. Dos alto-falantes da barraca de um ambulante, saía a trilha: "Eu quero tchu, eu quero tcha" – agora substituída temporariamente por "Eu quero mi, eu quero já!", gritado por transeuntes apertados para ir ao banheiro.
Holandeses
Os adversários mais notáveis dos brasileiros na segunda-feira na Vila Madalena foram os holandeses – havia também muitos chilenos. Notáveis porque são bastante altos e porque se vestem com diversas combinações e adereços da cor laranja. Ralf Jacobs, de 35 anos, se mostrava solícito à recorrente aproximação das mulheres. Curiosamente, negou em princípio o evidente sucesso com o público: "Imagina, não beijei ninguém". Mas ele não tardou a se contradizer, já que listou "os lábios" como o maior atrativo das brasileiras.
A poucos metros dali, o estudante de engenharia Sebastian De Boer, de 24 anos, era abordado pela arquiteta Camila Stephanie Egidio, de 20. "Eu olhei, ele olhou, achei bonito e beijei", justificou a jovem depois, esquecendo-se da relativa insistência com que tinha ocorrido a negociação.
De Boer havia ido à Arena Corinthians e chegou à Vila Madalena para "aproveitar a festa". E como será que ele se sentia na posição de alvo de tamanho interesse? "Estou me sentindo uma celebridade", comentou, rindo. De acordo com Camila, De Boer foi um dos destaques de uma noite em que ela conheceu "um australiano, um canadense e dois chilenos".
Usualmente, é assim com os gringos: esperam que as garotas partam para ação. Exatamente ao contrário do que faziam os brasileiros ali – não era raro que tentassem agarrar as mulheres e xingassem diante das recusas. Também não era difícil que se ouvissem gritos de "beija, beija, beija" dirigidos a alguma garota hesitante. Um desses coros foi ouvido ao redor de Paulo Henrique Capiotto, de 25 anos, morador de Taboão da Serra, município da Grande São Paulo. Depois de finalmente beijá-lo, uma brasileira saiu correndo. "Hoje, peguei umas seis. Teve holandesa, chilena, mexicana…", listou Capiotto.
Logo o irmão dele, José Roberto Teixeira Filho, de 19 anos, apareceu. "Ele só pegou porque eu ajudei. Um irmão ajuda o outro. Quer ver como funciona? Me dá 1 minuto, que arrumo outra para ele." Embora o tempo estipulado tenha se estendido, Teixeira cumpriu a "promessa". Três minutos mais tarde, uma jovem estava sentada no colo de Capiotto – ele é cadeirante.
A "filosofia de jogo" dos irmãos em nada lembra a dos "adversários" que recorriam ao dicionário e tentavam se passar por estrangeiros. "Não importa a língua. Eu tenho um inglês muito básico, mas troco ideia", afirmou Teixeira Filho. "O que importa é a humildade", completou, adotando um discurso equivalente ao de jogadores de futebol antes das partidas.
Para a sorte dele, nem todos os holandeses queriam ser concorrentes, como os amigos Ruud Schaapnam, de 27 anos, e Gerrit-Jäger Timmers, de 25. Vestindo camisetas que eram metade do Brasil e metade da Holanda, eles atenderam a vários pedidos para fotos. Mas por que não ir além? "Porque já é meia-noite e estamos bebendo desde as 9h. Começamos no café da manhã", justificou Schaapnam, aceitando que não estava "em condições de jogo".
‘What’s your name?’
Na semana passada, torcedoras brasileiras ouvidas pelo G1 na Vila Madalena após o empate entre Brasil e México reclamavam da "falta de gringos" – ou da timidez dos que estavam por lá. E também da abordagem de estrangeiros de mentira.
"A gente está procurando estrangeiros, mas não acha", disse Bianca Batista, de 20 anos, que caminhava com a amiga Bruna Mirelli, da mesma idade. As duas também notaram a estratégia dos brasileiros de se fazer passar por turistas – e contaram que não estava dando certo. "Eles falam ‘oi’, a gente não olha. Aí tentam de novo: ‘Hola’", contou Bruna.
Já a analista financeira Luciene Gaglioti, de 27 anos, disse ter sido abordada por falsos americanos. "Tinha um na fila do banheiro. Ele perguntou: ‘What’s your name?’. Eu respondi: ‘Hi?’. Aí eu falei ‘I don’t speak english’, e ele deu risada." Apesar de tentar, os rapazes não passavam do "What’s your name?".
Nem todas as mulheres, porém, reclamaram da timidez dos gringos. No meio da multidão, um grupo de torcedores com os rostos pintados e vestidos de azul celeste gritava como se estivesse no estádio vibrando com os dois gols que Luis Suárez havia marcado contra a Inglaterra, na quinta-feira (19). Eles comemoravam o beijo de um amigo.
A moça era a cabelereira Janaína Fidélis, de 30 anos, que conta ter sido ela a tomar a iniciativa. "Quem quer sou eu, por isso fui para cima", disse. "Eu dei uma volta, encontrei o uruguaio que eu tinha achado gatinho e beijei. Simples assim." E avisou: "Como eu moro no Brasil e o xaveco brasileiro já não cola mais e ninguém reinventa, vamos conhecer outras línguas, não é?".