Pergunta feita e refeita inúmeras vezes nem chegou perto de ser respondida.
Passada a final da Copa do Mundo e toda a euforia carregada e espalhada pela festa, volta à tona um dos episódios mais marcantes da história recente do Rio. Nesta segunda-feira (14), faz um ano que Amarildo Dias de Souza desapareceu durante uma operação policial na Rocinha. O pedreiro, abordado por agentes dentro da comunidade, nunca mais foi visto. Histórias foram contadas, protestos feitos e PMs acabaram presos, mas a pergunta feita e refeita inúmeras vezes ao longo do segundo semestre de 2013 nem chegou perto de ser respondida: afinal, onde está Amarildo?
Após o intenso apelo popular em torno do caso, que chegou a romper as fronteiras nacionais, uma força-tarefa foi montada para encontrar o pedreiro e apontar os culpados pelo sumiço sem explicação. Nenhuma pista de Amarildo apareceu. Em outubro, 25 PMs da UPP Rocinha foram presos sob acusação de tortura, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha. Entre eles, o Major Edson Santos, comandante da unidade.
Mesmo tendo passado um ano, a família do pedreiro ainda vive sob a incerteza. O choro não secou e, há pouco mais de dez dias, a viúva Elizabeth saiu de casa para encontrar sozinha o marido. Não achou e não voltou para casa até quinta-feira (10), quando foi vista e “resgatada” em Cabo Frio, na região dos Lagos. Do tempo fora, só levou a desilusão por mais uma tentativa em vão. Segundo a família, a depressão a reconduziu ao álcool e às drogas.
Dúvidas e versões
Ao longo das investigações, o caso Amarildo ganhou versões distintas. Para tentar desviar a culpa, policiais forjaram ligações telefônicas e tentaram atribuir o sumiço do ajudante de pedreiro ao tráfico de drogas. Seria uma ação minuciosamente arquitetadas pelos criminosos para jogar a culpa na PM, enfraquecendo o projeto da UPP. Mas não colou. A reprodução simulada, feita em duas etapas, ajudou a esclarecer alguns pontos
Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça do Rio ajudaram a Divisão de Homicídios nas investigações. Dez agentes, os primeiros a serem presos, tiveram os telefones celulares grampeados e monitorados. Para atrapalhar as investigações, um dos PMs tentou se passar por um traficante conhecido como Catatau. Segundo a polícia, o acusado telefonou para um celular apreendido que vinha sendo monitorado e assumiu a autoria da morte de Amarildo, como se fosse Catatau. Entretanto, segundo a delegada Elen Souto, ficou provado que a voz não era do traficante
As gravações das conversas dos acusados ainda mostraram, segundo a polícia, que eles combinavam versões sobre o crime na tentativa de não cair em contradição diante dos investigadores. Em uma das delas, o major Edson Santos, ex-comandante da UPP da Rocinha, liga para um dos PMs acusados, segundo Rivaldo Barbosa, titular da DH.
— O major Edson tenta combinar depoimentos com o soldado Vital. Quando o soldado Vital sai da DH, ele [Edson] liga para o soldado Vital e pergunta: ‘Vital, você disse na DH que foi lá embaixo só para buscar o Amarildo?’
Agentes do Gaeco (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado) do Ministério Público colheram depoimentos de policiais militares ao longo das investigações. Ao menos cinco confirmaram que Amarildo foi torturado próximo à sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha. Disseram, inclusive, que os gritos podiam ser ouvidos claramente
Segundo a promotora Carmem Elisa Bastos, do Gaeco, quatro PMs teriam sido efetivamente os torturadores de Amarildo: tenente Luiz Medeiros, o sargento Gonçalves e os soldados Maia e Vital. De acordo com os depoimentos, 11 policiais receberam ordem do tenente para permanecer dentro do contêiner e puderam ouvir as agressões. Outros 12 vigiavam o local. Os policiais ouvidos também disseram que o major Edson Santos, hoje está preso no complexo de Bangu, ficou em seu escritório, no andar de cima do contêiner, em frente ao local da tortura. As testemunhas também disseram ter ouvido o pedido para trazer uma capa de moto para cobrir o corpo, o corpo sendo retirado do depósito pelo telhado em frente à mata
Segundo a DH, que ouviu 133 pessoas e obteve na Justiça autorização para grampear os celulares dos policiais acusados, um informante dos PMs, que está agora sob o Programa de Proteção de Testemunhas, disse a eles que Amarildo tinha a chave de um paiol. O ajudante de pedreiro teria, então, sido torturado para que indicasse a localização desse depósito de armas. A delegada Elen Souto disse que, entre as técnicas, estavam o uso de saco plástico na cabeça, choques elétricos no corpo molhado e ingestão de cera líquida.