Inflação é a principal divergência no debate sobre os preços diferenciados no cartão. Operadoras não se posicionam.
As principais frentes de defesa do consumidor se uniram para tentar impedir que as compras em dinheiro fiquem mais baratas que por cartão de crédito. Na última semana, o Senado aprovou, por 81 votos a três, o projeto que permite diferenciar preços nestas duas formas de pagamento – prática proibida pela resolução 34/1089.
Em um manifesto enviado ao Senado, o grupo alega que, se virar lei, a proposta “causará grande desequilíbrio nas relações de consumo, impactando, inclusive, na ordem econômica e nos índices de inflação”.
O documento foi assinado pela Proteste, pelo Procon, pelo Fórum das Entidades de Defesa do Consumidor, pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pela Associação da Defesa da Cidadania e do Consumidor (Adecon).
Para o senador Roberto Requião (PMDB-PR), autor do projeto, a medida é, pelo contrário, anti-inflacionária. “O cartão está roubando a população, porque os comerciantes embutem o custo das transações no preço dos produtos, e isso gera um processo inflacionário”, argumenta ao iG.
Calcula-se que as operadoras de cartões cobram do comércio entre 3% e 4% para operar com o dinheiro de plástico. Com impostos como Pis, Pasep e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), as transações encarecem para até 7%. Se o lojista receber o pagamento antes dos 30 dias de contrato, o custo pode ser elevado para até 11%.
Entre os que apoiam e criticam a mudança, é consenso que o comércio repassa estes custos para o cliente. Uma blusa de R$ 90 pode custar até R$ 101 com os encargos do cartão, que vão para os cofres das operadoras. "Estão criando uma Casa da Moeda paralela", defende Requião.
A resolução 34/1989 proíbe o varejo de cobrar menos pelo pagamento à vista. “Essa proibição prejudica o consumidor e só beneficia as operadoras”, acredita o assessor econômico da Fecomercio/SP, Altamiro Carvalho, que apoia a mudança, que segue para análise da Câmara.
Em vez de discutir o desconto para o pagamento em espécie, as operadoras deveriam ser chamadas para rever as taxas cobradas nestas transações, na opinião do advogado especializado em direito do consumidor, Dori Boucault.
O ideal, para a coordenadora da Associação Proteste, Maria Inês Dolci, seria dar o mesmo desconto para todas as formas de pagamento à vista, inclusive para o cartão de crédito.
“O que não admitimos é a cobrança diferenciada para transações que não são parceladas. Isso cria uma discriminação entre os meios de pagamento, e nos mobilizamos para impedir isso”.
O senador Requião alega não entender a oposição a seu projeto, que propõe reduzir os preços. "Parece que os órgãos de defesa do consumidor estão contra o consumidor”, afirma.
Opositores temem risco de falsos descontos
Os órgãos também argumentam que um possível efeito da medida é que comerciantes optem por elevar ainda mais o preços na compra pelo cartão e concedam um falso desconto pelas transações em dinheiro.
Para Carvalho, da Fecomércio/SP, esse risco não existe porque o mercado é altamente concorrencial. “Quem elevar o preço tende a sofrer um impacto negativo nas vendas. O comércio busca praticar os melhores preços”.
O assessor econômico também acredita que, mesmo com o desconto em dinheiro, a maior parte das vendas continuará a ser feita por cartão de crédito, pela comodidade e pelo fato de que nem todo consumidor tem dinheiro no momento da compra. Por isso, diz, a medida pode não ter efeito significativo sobre a economia e a inflação.
Cerca de 76% da população economicamente ativa usa o cartão como meio de pagamento, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). E o número de transações com o dinheiro de plástico cresce a dois dígitos.
Desde 2008, ele mais que dobrou. Deve saltar de 2,2 bilhões, no período, para 4,9 bilhões até o fim de 2014, pela projeção da entidade. O valor das transações, nos últimos seis anos, subiu de R$ 221 bilhões para R$ 537 bilhões.
Procurada, a Abecs não quis dar entrevista, mas enviou uma nota afirmando que acompanhará a tramitação do projeto.
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"O estímulo ao uso do cartão gera benefícios diretos ao consumidor e também ao comerciante, que, entre outros benefícios, não precisa se preocupar com a aprovação de crédito do cliente nem com os custos de inadimplência, já que o cartão garante o recebimento do valor da venda”, informou.
O Banco Central informou ao iG que "não tem uma posição fechada sobre o tema", mas forneceu um estudo de 2010 que aponta que a população de baixa renda é a mais prejudicada pelos custos do cartão de crédito.
Consultadas para se manifestar, as bandeiras American Express e Mastercard responderam que não tinham porta-voz disponível para comentar a medida.