Foram consultados Presidência, Câmara, Senado, Supremo e PGR.
Os órgãos que encabeçam a administração federal em Brasília consumiram 85,5 milhões de folhas de papel no ano passado, segundo levantamento efetuado pelo G1 na Presidência da República, na Câmara dos Deputados, no Senado, no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Procuradoria Geral da República (PGR).
Considerados os 248 dias úteis de 2012 na capital federal (excluídos finais de semana e feriados), o consumo diário foi de 344,7 mil folhas. No total, os cinco órgãos gastaram no ano passado R$ 1,2 bilhão para comprar 170.988 pacotes de 500 folhas de papel A4 para uso de cerca de 23 mil funcionários.
Os dados, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que, em geral, o uso vem diminuindo nos últimos anos, sobretudo por causa do avanço na digitalização dos documentos e da conscientização. Mas, dentro das repartições, os esforços pela redução do papel ainda esbarram na cultura de um tempo em que tudo, para ser oficial, tinha de estar impresso e carimbado com tinta.
No ano passado, apareceram com destaque na mídia as imagens das pilhas de papel acumuladas no plenário do Supremo Tribunal Federal durante o julgamento do processo do mensalão ou sobre as mesas dos parlamentares integrantes da CPI do Cachoeira no Congresso.
O G1 visitou os cinco órgãos pesquisados para conhecer como se usa o papel e por que o material é tão usado. Foi constatada uma grande variação, não só pelas diferentes atividades que cada um realiza, mas também pela quantidade discrepante de servidores.
A Câmara, por ter mais servidores – cerca de 10,6 mil lotados em Brasília –, tem o maior consumo (64 mil resmas) e o maior gasto (R$ 443 mil), mas por outro lado, o menor consumo per capita: em 2012, cada servidor usou, em média, 6 resmas (3 mil folhas).
Já o Senado, apesar do número menor de servidores (6.455), tem consumo per capita maior que na Câmara: 7,3 resmas por servidor em 2012. Para dar conta da alta demanda (47 mil resmas em 2012), o Senado conta com gráfica semelhante à de um jornal de grande circulação.
O Palácio do Planalto, com ainda menos servidores (3.300), tem consumo per capita pouco maior: 7,6 resmas por servidor. Em seguida, com maior consumo per capita, está a Procuradoria Geral da República, com 8,2 resmas por servidor. No topo do consumo, está o servidor do STF: 16 resmas de papel por servidor, em média, em 2012.
Embora com os números mais expressivos, a Câmara reduziu o consumo de papel em 29% desde 2009. Além de campanhas em favor do uso consciente, pesou na redução a digitalização.
Na área administrativa, procedimentos internos, como marcação de férias, consulta a contracheques, boletins de gestão e pedidos de material, por exemplo, já são realizados inteiramente sem uso do papel, na intranet da Câmara.
Há cerca de dez anos, a digitalização chegou ao processo legislativo, na tramitação dos projetos de lei. Significa que cada versão de uma proposta, desde sua concepção à aprovação final, fica disponível online, com atualização constante das alterações que sofre ao longo das discussões.
Em 2011, houve novo avanço com a chamada "pauta digital", com a instalação de telas digitais para cada parlamentar nas mesas dos 16 "plenarinhos", salas onde as comissões se reúnem
Antes, para cada reunião semanal de uma comissão, de 20 a 40 cópias de um calhamaço de papel, contendo a pauta do dia (com dezenas de projetos de lei na fila de votação e respectivos pareceres) tinha de ser impresso para uma simples consulta.
Em poucas horas, esses calhamaços tinham de ser despejados, ao final de cada sessão. Hoje, tudo fica disponível nas telas, sensíveis ao toque. No início deste ano, as telas chegaram ao plenário principal, para economizar papel também na aprovação final dos projetos de lei.
Na Câmara, cada projeto de lei ainda precisa ter um original de papel, por segurança, mas também porque Executivo e Senado só enviam ou recebem propostas em meio físico.
Responsável pela digitalização do processo legislativo, o diretor do Departamento de Comissões, Luiz Antonio Eira, diz ter como "obsessão" zerar o uso do papel para projetos.
"Não eliminamos o processo físico, mas estamos nesse caminho. Mas não é só um processo tecnológico, é também um processo cultural", diz o diretor.
O site do Senado na internet também disponibiliza os projetos para consulta online, mas as comissões da Casa ainda usam papel para discutir as novas leis. Não à toa, o consumo de papel subiu 18% nos últimos quatro anos, passando de 40 mil em 2009 para 47 mil resmas em 2012.
Assim como na Câmara, os servidores têm um programa ambiental próprio para incentivar a redução no Consumo, chamado "Senado Verde". A maior contribuição, no entanto, é destinar o papel usado para cooperativas de reciclagem, conforme prevê um decreto de 2006.
A cultura do papel, porém, ainda é evidente nos trabalhos, não raro, gerando desperdício. Nos últimos meses de 2012, dois episódios mostraram o uso desmesurado. O primeiro ocorreu entre novembro e dezembro, na votação do relatório da CPI do Cachoeira proposto pelo relator Odair Cunha (PT-MG).
O documento, contendo as conclusões da investigação, tinha 4.887 páginas, distribuídos em 5 volumes (cada aparentando um catálogo telefônico).
Dezenas de cópias do relatório foram impressas e distribuídas para três sessões de discussão, mas diante do impasse sobre seu conteúdo, o relatório de Odair Cunha foi rejeitado e foi aprovado um relatório alternativo de duas páginas, que apenas encaminhava ao Ministério Público tudo que a CPI havia conseguido.
As milhares de páginas impressas, para uma consulta de poucas horas, foram parar no contêiner de reciclagem.
Isso ocorreu novamente quando, em dezembro, o Congresso se viu obrigado a votar mais de 3 mil vetos presidenciais a projetos de lei, acumulados há mais de dez anos na fila de votações.
Em menos de 24 horas, a gráfica do Senado imprimiu 1.200 cadernos de 400 páginas cada um, contendo a relação de vetos. Com o adiamento da votação, todo o material, de novo, foi para a reciclagem.
Com níveis maiores e próximos de consumo per capita, o Palácio do Planalto (7,6 resmas/servidor) e a Procuradoria Geral da República (8,2) adotam práticas semelhantes para tentar reduzir o uso de papel. Nos diversos órgãos da Presidência, o consumo caiu 10% de 2009 a 2012; na sede do Ministério Público, a redução foi de 11% no mesmo período.
Assim como os demais órgãos, investiram em sistemas informatizados nos últimos dez anos para procedimentos internos. Nos órgãos que compõem a Presidência, as minutas de decretos e portarias, por exemplo, já tramitam digitalmente em diversos órgãos federais em sistema fechado, com assinaturas digitais das autoridades que aprovam suas versões.
Mas além disso, há grande esforço para mudar hábitos de escritório. Nos dois órgãos, por exemplo, as impressoras foram todas configuradas automaticamente para imprimir frente e verso, o que reduz o uso à metade. Em frases ao final de cada correspondência eletrônica, servidores também são estimulados a não imprimir e-mails. Na Presidência, o próprio conteúdo de contratos, por exemplo, ficou mais enxuto: o que antes era descrito em oito páginas, passou para quatro.
"A própria tecnologia móvel, com acesso a e-mail em tablets e smartphones, tem estimulado a ideia de que não precisa imprimir tanto", diz Maurício Marques, diretor de Tecnologia da Presidência.
"É possível [economizar], pois com toda essa redução, nada deixou de ser feito. E nossa meta é ser referência, pois somos modelo [para os demais órgãos públicos]", completa o secretário de Administração da Presidência, Valdomiro de Sousa.
De longe, o maior consumo per capita, porém, fica no Supremo Tribunal Federal, com 16 resmas (ou 8 mil folhas) por servidor. Ao mesmo tempo, dentre os órgãos pesquisados, é a segunda instituição que menos consome, em números absolutos: 18.214 resmas em 2012 e gasto de R$ 141.300.
Embora também adote práticas sustentáveis como a PGR e o Planalto e tenha boa parte dos documentos em via digital, o STF usa mais papel proporcionalmente porque boa parte dos processos ainda precisa estar impresso em meio físico, para garantir a segurança e perenidade das decisões judiciais, incluindo aquelas proferidas em instâncias inferiores.
Com a necessidade legal de imprimir muitos documentos, gestores do órgão máximo da Justiça têm investido no estudo de tipos de papel "ecológicos".
No ano passado, passou a ser comprado papel produzido a partir da celulose do bagaço de cana-de-açúcar, em vez de eucalipto. A diferença é que o primeiro é produzido a partir de um material descartado pela indústria sucroalcooleira; já o segundo, a partir de florestas plantadas.
Mesmo demonstrando qualidade semelhante ao papel tradicional, o papel da cana ainda sofre resistência dentro do STF.
Responsável pela sua introdução, o chefe da Seção de Responsabilidade Social, pensa que é uma questão de transição. "É a mesma história do computador. Há um tempo atrás, ninguém queria largar sua Olivetti [famosa marca da máquina de escrever]. Hoje mudou tudo".