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Teatro alagoano perde Bráulio Leite

O corpo será velado a partir das 19h, no Foyer do Teatro Deodoro e o enterro acontecerá na manhã desta quinta (28) às 10h, no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, no bairro do Prado.

Divulgação

Bráulio Leite

Faleceu no início da tarde desta quarta (27) o ex-diretor do Teatro Deodoro Bráulio Leite. Bráulio estava internado desde a semana passada, no Hospital do Açúcar, decorrente de problemas respiratórios. Bráulio era teatrólogo, ator, escritor e dirigiu o Teatro Deodoro por mais de 30anos. Tinha 81 anos.

O corpo será velado a partir das 19h, no Foyer do Teatro Deodoro e o enterro acontecerá na manhã desta quinta (28) às 10h, no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, no bairro do Prado.

Segundo o atual diretor-presidente da Diretoria de Teatros do Estado de Alagoas, que administra os teatros Deodoro e de Arena Sérgio Cardoso, Juarez Gomes de Barros: "Não há palavras que descrevam a importância de Bráulio para o nosso Teatro Deodoro, pois foi ele que se dedicou e lutou pelo teatro por mais de 30 anos. Sua memória e energia eram impressionantes. Ele sempre será uma das maiores referências para nós, em Alagoas", concluiu.

Em 2009 o jornalista e pesquisador, Valmir Calheiros publicou um texto no Jornal Gazeta de Alagoas, sobre Bráulio, que aqui recortamos trechos:

Antigo servidor público federal do IAPC, o Instituto de Aposentadoria dos Comerciários. Foi diretor geral do Teatro Deodoro, em Maceió, ao longo de 33 anos. Nesse período, criou o Teatro de Arena Sérgio Cardoso, o Teatro Lima Filho, a Fundação Teatro Deodoro (Funted), extinta no governo Ronaldo Lessa, que reunia, além dos três teatros, o Museu da Imagem e do Som (Misa), o Centro de Belas Artes de Alagoas, que mantinha cursos livres, a Galeria de Artes Miguel Torres, a Sala de Concertos Heckel Tavares e as Orquestras Sinfônica e de Câmara.

Bráulio Leite é, ainda, autor de várias obras literárias, sendo as principais As artes cênicas nas Alagoas nas décadas de 20/30, pela UFAL; Teatro Deodoro (Funted); Histórias de Maceió (Edições Catavento); Algumas Crônicas Escolhidas (Sergasa), Outras Histórias de Maceió (Imprensa Oficial) e Algumas Crônicas Escolhidas. Tem em preparo mais dois livros: Assombrações de Maceió e Gente & Lembranças. E dirigiu simultaneamente todas essas repartições, sendo remunerado apenas pelo primeiro cargo, transformado pela Assembleia Legislativa na função de diretor-presidente.

Desde que se aposentou e exilou-se no Sítio Velho, em Paripueira, o ex-diretor do Teatro Deodoro fazia questão de estar atualizado. Principalmente a respeito de tudo no tocante às atividades culturais, começando pela tradicional casa de espetáculos, – que estava praticamente fechada, quando assumiu sua direção em fevereiro de 1957, – reaberta solenemente a 15 de novembro daquele mesmo ano pelo governador Muniz Falcão.

Bráulio Leite Júnior não consegue segurar a emoção. A voz sai embargada, quando se lembra da festa de reabertura do Deodoro, que Muniz, a imprensa e o povo tornaram possível em apenas sete meses decorridos do início das obras feitas dos porões ao teto do salão nobre, de todo o Teatro, enfim. E não em cinco ou dez anos, como acontece hoje em dia, nas restaurações e reformas – geralmente reformas, que são menos complexas -, quando os serviços são mais fáceis de executar. Nem emite juízo de valor. Apenas diz: “quando trata-se de assuntos como este é preciso distinguir reforma e restauração. “A primeira é muitas vezes um aleijão. Diferentemente da restauração, que exige maiores cuidados, o envolvimento de técnicos e especialistas, para que um patrimônio artístico e cultural não seja modificado em relação ao seu projeto inicial. Obras como essas são ainda mais complicadas quando executadas em um teatro, que não é o prédio de uma simples repartição pública, burocrática. Ao contrário, o teatro é uma oficina de trabalho, de arte, de criação. Tem que estar aberto a vida toda, respeitadas todas as suas peculiaridades. Teatro não é, por exemplo, para ser dirigido por alguém que, por ter perdido a eleição, precisar de emprego e nunca foi a um teatro para uma simples visita e colocá-lo direção. Quem faz um “negócio” desses, comete um crime de responsabilidade. “Há exceções, claro! Lembramos uma que ocorreu em 1946, na interventoria Guedes de Miranda. O professor Guedes era um intelectual dos mais respeitados. Um homem mais voltado para as coisas do espírito. Guedes, com o responsável pelas obras públicas, professor Paulo Silveira, jornalista, escritor, também um homem de sensibilidade, reabriu o Teatro Deodoro, construído em cinco anos, também com uma reforma realizada em poucos meses.”

Poucos anos antes (1933), realizaram a primeira restauração no Deodoro. Porém, Bráulio Leite acha que os serviços de reforma realizados em 46 por determinação do interventor Guedes foram mais importantes. E explica: “É que, a partir daí, vimos surgir uma renovação artística nas Alagoas. A nova era das artes dramáticas no Estado. A nova fase do Teatro Amador. Começava a proliferação de grupos amadores., graças a figuras como Linda Mascarenhas e Lima Filho, que já citamos. Maceió passou a ter mais e diversificadas opções de entretenimento do teatro. Começavam a ficar para trás as escassas alternativas nesse setor cultural da cidade, onde, de quando em vez, assistia-se a algumas encenações amadorísticas ou de profissionais importantes no Cinema Delícia, – que ficava em frente aos Correios, na antiga Rua do Sol, – nos dias sem programação de filmes, como era comum na época. Destruíram o prédio do Delícia (funcionava desde 1909). O mesmo que fizeram o mesmo com a antiga penitenciária, também no centro da cidade. Essas duas construções poderiam estar servindo para as nossas instituições culturais, a exemplo do que se faz em outras cidades, no mundo inteiro. Mais um erro cometido no campo da cultura em Alagoas.”

Bráulio esteve como diretor do Teatro Deodoro durante 33 anos. Ao longo de todo esse tempo, não bastassem os trabalhos inerentes ao cargo, especializou-se em cursos na Fundação Brasileira de Teatro em São Paulo. Fundou o Teatro Universitário nos anos 60, quando presidente do Diretório da Faculdade de Direito Alagoas. enfrentou uma luta, que se arrastou por 12 anos na Justiça, até conseguir no governo Afrânio Lages silenciar o barulho produzido pelo bar – restaurante explorado por particulares, ao lado do Deodoro, comprovadamente prejudicial às atividades específicas da instituição, e construir no seu lugar o Teatro de Arena Sérgio Cardoso. “Um projeto baratíssimo para a época. Alagoas vinha necessitando, de há muito de um teatro de arena, que prescinde de cenário, facilitando a vida de grupos e pessoas do mundo artístico sem recursos para trabalhar em locais que exigem montagens mais dispendiosas”. De fato, o Teatro de Arena foi considerado o teatro mais barato do Brasil e serviu de modelo a um projeto do Serviço Nacional de Teatro do Ministério da Educação para outras cidades do país.

A Funted foi criada no final do governo Divaldo Suruagy e instituída na curta gestão do governador Geraldo Melo. Logo depois, Bráulio conseguiu a criação do primeiro museu vivo e primeira repartição no gênero pertencente ao poder público no Estado, o Misa – Museu da Imagem e do Som, instalado em Jaraguá (governo Guilherme Palmeira). Mediante uma campanha que dirigiu à população, com o apoio da imprensa, dotou o Misa das condições iniciais necessárias de colaborar com a preservação da história do Estado, representadas pelo acervo com cerca de 10 mil documentos – a maioria fotos antigas de fatos e personalidades alagoanos.

Bráulio Leite já estava à frente do Teatro Deodoro quando, a pedido do então presidente da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (FIEA), Napoleão Barbosa, criou o Teatro Operário do Sesi, que também não existia. Sabia que as mulheres operárias não tinham ainda aquela postura necessária para representação artística. Convidou senhoras e jovens trabalhadoras de várias empresas. Perguntou quais delas costuravam. Apareceram umas duzentas habilitadas. Aí, inventou de promover um dos primeiros desfile de modas em Maceió. E mais, com modelos operárias apresentando as roupas feitas por elas mesmas. Ele ainda relembra, como se essa iniciativa precursora, pelo menos em nível de Estado, fosse recente: “Foi um sucesso extraordinário. Foi o desfile de modas mais aplaudido que eu vi”.

A lista de serviços prestados ao povo de Alagoas e ao Brasil, pelo velho saltimbanco, por este gigante dos palcos, é extensa, devendo ser também destacada sua contribuição para o Projeto Bandas, com a distribuição de instrumentos musicais nas escolas do interior do estado, na década de 80. Afora a execução dos projetos já citados – Teatro de Arena, surgimento da Funted, Misa, Centro de Belas Artes e outros, deve-se também a Bráulio Leite, a Galeria de Artes Miguel Torres, das Orquestras Sinfônica e de Câmara de Alagoas, a Sala de Concertos Heckel Tavares, o Quinteto de Mentais, bem como os corais infantil, de jovens e adultos, que são agora apenas motivos de recordações. Que podem e devem ser recriados.