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Comissão de Direitos Humanos aprova autorização para ‘cura gay’

Projeto de lei ainda deve passar por duas comissões na Câmara e Senado. Na sessão, apenas dois militantes se manifestaram contra a aprovação.

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara aprovou nesta terça-feira (18) o projeto de lei que determina o fim da proibição, pelo Conselho Federal de Psicologia, de tratamentos que se propõem a reverter a homossexualidade. A sessão que aprovou a proposta foi presidida pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que conseguiu colocá-la em votação após várias semanas de adiamento por causa de protestos e manobras parlamentares contra o projeto.

De autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), a proposta pede a extinção de dois artigos de uma resolução de 1999 do conselho. Um deles impede a atuação dos profissionais da psicologia para tratar homossexuais. O outro proíbe qualquer ação coercitiva em favor de orientações não solicitadas pelo paciente e determina que psicólogos não se pronunciem publicamente de modo a reforçar preconceitos em relação a homossexuais.
Na prática, se esses artigos forem retirados da resolução, os profissionais da psicologia estariam liberados para atuar em busca da suposta cura gay.

Antes de virar lei, o projeto ainda terá de ser analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça até chegar ao plenário da Câmara. Se aprovada pelos deputados federais, a proposta também terá de ser submetida à análise do Senado. Somente então a matéria seguirá para sanção ou veto da Presidência da República.

Em seu parecer em defesa da proposta, o relator, deputado Anderson Ferreira (PR-PE), apontou que o projeto “constitui uma defesa da liberdade de exercício da profissão e da liberdade individual de escolher um profissional para atender a questões que dizem respeito apenas a sua própria vida”.

Ao justificar o projeto, o autor do texto afirmou que o Conselho Federal de Psicologia, ao restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional, “extrapolou o seu poder regulamentar e usurpou a competência do Legislativo”.

O texto foi aprovado por votação simbólica, sem contagem individual dos votos.
Sessão
Em contraste com as primeiras sessões presididas por Marco Feliciano, marcadas por tumultos e protestos de dezenas de integrantes de movimentos LGBT e evangélicos, a sessão desta terça atraiu poucos manifestantes. No fundo do plenário, um rapaz e uma garota ergueram cartazes durante o encontro do colegiado protestando contra o projeto da cura gay.

Uma das cartolinas dizia “não há cura pra quem não está doente”. Já o outro manifesto ressaltava “o que precisa de cura é homofobia”.

A análise do projeto da cura gay só foi concluída na Comissão de Direitos Humanos na terceira tentativa de votar o assunto. Nas outras duas oportunidades em que o tema foi colocado em pauta por Feliciano manobras de opositores da proposta conseguiram adiar a apreciação.

Na semana passada, o deputado Simplício Araújo (PPS-MA) utilizou vários recursos previstos no regimento interno da Casa, como o uso de discursos e a verificação de quórum, para evitar a votação. Durante o esforço para impedir a análise da matéria, o deputado do PPS chegou discutir com Feliciano.

Nesta tarde, Simplício tentou, mais uma vez, adiar a apreciação do projeto. Ele fez diversas intervenções durante a sessão para impedir que a matéria fosse votada e propôs novo pedido de retirada de pauta. Porém, a solicitação foi rejeitada pela maioria dos integrantes da comissão, muitos deles ligados à bancada evangélica.

“É lamentável que essa Casa não esteja ouvindo o clamor que está bem aqui, batendo à nossa porta. Projetos como esse, que são inconstitucionais, só trazem perda de tempo. E foi o que a gente viu aqui: uma tremenda perda de tempo. É uma matéria que não vai passar na Comissão de Constituição e Justiça. Uma bancada que quer jogar apenas para o seu eleitorado”, avaliou Simplício, em entrevista ao final da votação.

A aprovação ocorreu um dia após uma manifestação em Brasília que levou milhares à porta do Congresso, para protestar, entre outras coisas, pela saída de Marco Feliciano do comando da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. A multidão gritou por diversas vezes “Fora Feliciano”. O deputado é acusado de homofobia e racismo por declarações polêmicas dentro e fora do Congresso.
Simplício tentou barrar a votação praticamente sozinho. Um dos poucos parlamentares que se posicionaram contra a proposta foi o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), que questionou a constitucionalidade do texto. Para Jordy, não cabe ao Legislativo alterar decisões de órgãos de classe. De acordo com ele, a votação do projeto poderia não ter eficácia.

“Eu posso apresentar um requerimento revogando a lei da gravidade? Se é apenas para produzir efeito pirotécnico, tudo bem, vamos jogar aberto. Muitos de nós não temos tempo para discutir coisas que sejam ineficácia. Se não é da prerrogativa desta Casa revogar atos da OAB, do Conselho Nacional de Medicina e do Conselho Federal de Psicologia, então, estamos aqui brincando. Estamos aqui jogando para a plateia”, ironizou.

Durante seu esforço para inviabilizar a apreciação do texto, Simplício Araújo alertou a Câmara para “acordar” diante da onda de manifestações que tomou conta das ruas das principais capitais do país nesta segunda. O deputado também acusou os colegas da comissão de estarem em busco de “holofotes para ganhar votos”.

“Essa aqui [a votação do projeto da cura gay] é uma prova de que estamos longe de entender o que a sociedade quer nos ver discutindo dentro dessa Casa. A voz das ruas diz que esse projeto é a maior perda de tempo. Não existe tratamento para o que não é doença. O que temos de tratar é a cara de pau dos políticos”, criticou Simplicio, arrancando aplausos dos poucos manifestantes que foram protestar contra a matéria.

Mais tarde, no plenário principal da Câmara, Simplício anunciou que seu partido, o PPS, iria ingressar com um requerimento na Mesa Diretora para tentar anular a votação da proposta que modifica as regras do conselho de psicologia.

Após encerrar a sessão, Feliciano comentou sobre o projeto. Ele enfatizou que concorda em “gênero, número e grau” com o texto de João Campos.

“É o único Conselho Federal de Psicologia do mundo que tolhe o direito do profissional de poder atuar. É o único que assusta, que amedronta o profissional que ele não pode tratar de uma pessoa que busque ele quando está com uma angústia interior. No meu pensamento, tomara que seja aprovado”, defendeu Feliciano.