Competição da Fifa tem aquele ar de fair-play. Troca de abraços, de camisas, aplausos aos jogadores do país adversário… Mas um Brasil x Itália, felizmente, ainda tem traços do mais puro futebol. Tecnicamente não. Mas na disposição, no suor e no sangue quente característico dos italianos, a vitória brasileira por 4 a 2 honrou a tradição.
E a galeria de personagens do clássico que já tinha Paolo Rossi, Taffarel, Roberto Baggio, entre tantos outros, ganhou mais alguns: Neymar, Fred, Chiellini, e até um cidadão do Uzbequistão. Mas o principal foi Fred, autor de dois gols, que, enfim, "estreou" na Copa das Confederações e foi decisivo para o triunfo brasileiro.
Neymar ajudou a decidir um dos principais clássicos do futebol mundial, entre os maiores vencedores de Copas do Mundo. E com nova obra em seu repertório já vasto na Seleção, uma cobrança de falta certeira, que fez o legendário Buffon ficar pregado no chão.
Ele também irritou e foi irritado. Fez e sofreu faltas. Virou alvo preferido dos italianos, e foi duro num lance que tirou Abate da partida. Não foi seu melhor jogo, mas foi diferente. Cascudo, grande, histórico, como sempre é quando Brasil e Itália se enfrentam. Ele também chegou a três gols na Copa das Confederações: um por jogo na primeira fase.
Tudo isso até ser substituído por Bernard, aquele por quem Felipão estava vesgo de vontade de ver em campo. E viu. Assim como viu a estrela de Dante e os primeiros gols das chuteiras cor-de-rosa de Fred. O técnico viu também a classe de Balotelli no passe para Giaccherini, o sangue fervendo na luta pelo empate, sangue que corre nas veias Scolari, e o confuso árbitro Rashvan Irmatov se perder entre dar um pênalti e confirmar um gol.
Com tantos ingredientes, nove títulos mundiais em campo, o futebol e o povo de Salvador agradecem. Primeiro do grupo, o Brasil vai enfrentar possivelmente o Uruguai na semifinal em Belo Horizonte. Basta que a Celeste vença o Taiti. Já em Fortaleza, a Itália deverá ser a rival da Espanha, que precisa vencer a Nigéria para confirmar a liderança.
Calmaria baiana x sangue quente italiano
Vinte e uma faltas, finalizações, três lesionados e um gol. Terminou assim o primeiro tempo de Brasil e Itália, para quem duvidava que nenhum clássico do futebol mundial resiste ao fair-play exacerbado. Prova também de que as aparências enganam. Em 56 segundos (segundos!), a Seleção massacrou os visitantes a ponto de criar três chances, a maior delas num chute de Hulk espalmado por Buffon.
Depois, o sangue ferveu! Dos dois lados. Balotelli, mesmo adversário, foi aplaudido antes de o jogo começar. Bateu palmas para o público, bateu papo com os brasileiros… Mas com a bola rolando levou duas entradas por trás de David Luiz, que recebeu o amarelo.
A vingança teve tons de crueldade. O zagueiro se lesionou, caiu, teve de ser substituído. Ao devolver a bola, Balo foi maroto. Aquele fair-play “mezzo a mezzo”. Chutou a bola fraca, mas alta, pingando, em direção ao peito de Julio César.
O pior estava por vir. Neymar x Abate foi o duelo da vez. De tanto levar bordoadas, o brasileiro resolveu dar a sua, e causou uma luxação no ombro direito do italiano, que teve de ser substituído. Cartão para o craque, e Maggio em campo. Marchisio e Luiz Gustavo também foram agraciados com o amarelo.
O melhor estava por vir. Quando David Luiz saiu, Dante entrou. Dante, o que toca cavaco, o de cabelo diferente, o sorridente. Enfim, o baiano! Com todos os santos o protegendo. Até mesmo o santo do assistente Bakhadyr Kochkarov, do Quirguistão, que não viu sua posição de impedimento quando Fred completou, de cabeça, cruzamento de Neymar. Buffon espalmou, mas não segurou o rebote do zagueiro, que fez festa contagiante enquanto o legendário goleirão distribuía patadas em sua defesa. Sangue quente, e Brasil na frente.
Hora dos artilheiros
Dante, que deu tempero baiano ao jogo no primeiro tempo, exagerou no dendê ao chutar Balotelli. Pior. Nem conseguiu ver o passe genial do atacante para Giacherrini, num contra-ataque que teve início com Buffon, finalizar com força e empatar a partida.
O mesmo Buffon, que assistiu ao gol de empate com sua participação, assistiu também quando Neymar colocou a bola em seu ângulo, com perfeição. O primeiro gol de falta da seleção brasileira desde outubro de 2011, quando Ronaldinho marcou no México.
E o que poderia fazer o veterano goleiro quando Fred recebeu lançamento de Marcelo? O centroavante partiu decidido a não deixar que nada atrapalhasse seu primeiro gol na Copa das Confederações. O primeiro de chuteira cor-de-rosa. Ele trombou com Chiellini e fuzilou de pé esquerdo.
Jogo decidido? Não. Nunca contra a Azzurra tetracampeã mundial. Havia tempo para mais reclamações, como a de Chiellini em suposta cotovelada de Dante, e mais confusão, quando o mesmo zagueiro italiano aproveitou a bola que sobrou na área e tocou no cantinho. Julio César, desesperado, saiu correndo em direção ao árbitro Ravshan Irmatov. Antes da finalização, ele teria assinalado pênalti. A televisão o mostrou levando o apito à boca.
Foi a deixa para que Felipão, com DNA italiano até o último fio de cabelo, passasse a deixar sua área para reclamar a cada decisão duvidosa do uzbeque. Os cabelos também ficaram em pé quando Maggio cabeceou no travessão. E Balotelli, aplaudido antes do jogo, despertou até o sangue quente do público, que lhe fez homenagens não tão bonitas.
Quem mereceu o carinho do público foi Fred. No fim do jogo, quando a Itália pressionava pelo empate, o artilheiro apareceu para confirmar a vitória brasileira, aproveitando rebote de Buffon num chute de Marcelo.
Fair-play é bonito. Mas um Brasil x Itália precisa de um pouco de sangue quente. Viva o futebol!