Sequenciamento de DNA de cavalo é o mais antigo já realizado. Gênero ‘Equus’, de cavalos, zebras e burros, surgiu há 4,5 milhões de anos.
Um cavalo é protagonista da mais recente revolução da biologia evolutiva. Pesquisadores canadenses e dinamarqueses fizeram o mais antigo sequenciamento genético de uma criatura pré-histórica. O feito deve-se à descoberta de fragmentos fossilizados de um equino que viveu 700 mil anos atrás em Thistle Creek, no Território de Yukon, no Ártico canadense. O mais antigo genoma já obtido até hoje era o do Homem de Denisovan, de 70 mil anos. O avanço da paleobiologia ajudará na compreensão da evolução.
A idade do fóssil foi estabelecida a partir da análise de sedimentos vulcânicos encontrados em Thistle Creek. O desenvolvimento de novas técnicas de recuperação do DNA permitiu à equipe analisar pequenas moléculas do código genético do equino, preservadas nos remanescentes de um osso. Foram encontradas 73 proteínas, algumas presentes no sangue. O estudo foi publicado na “Nature”.
— Algumas pesquisas recentes consideram que o DNA de um animal poderia sobreviver por um milhão de anos, desde que mantido em ambientes gelados. Agora, estamos muito mais próximos deste limite — comemora o pesquisador Duane Froese, da Universidade de Alberta (Canadá), coautor do estudo do cavalo de Thistle Creek.
A degradação do DNA começa logo após a morte de um animal e é realizada por suas próprias enzimas. Depois delas, entram em ação substâncias de outros micro-organismos, aproveitando-se do fim do sistema imunológico. Os cromossomos são fragmentados, o que obriga os cientistas a remontá-los, como se fossem um quebra-cabeça. Quando há moléculas suficientes, é possível sequenciar o genoma completo de uma espécie extinta. Este processo já foi realizado em algumas criaturas, mas nunca em uma tão antiga quanto o equino recém-descoberto.
Ambiente mais frio é favorável ao estudo
As condições ambientais, como a presença de água, oxigênio e a temperatura, influenciam a velocidade da destruição do código genético. Normalmente ela é mais rápida quando a região é mais quente.
A localidade isolada do fóssil descrito esta semana também descarta a possibilidade de que seu DNA tenha sido “misturado” ao código genético de espécies mais recentes. Outra demonstração da longevidade do cavalo de Thistle Creek é que seu DNA é mais fragmentado do que o de outras espécies, desaparecidas há poucos milhares de anos.
Embora o resultado da pesquisa seja animador, Froese, que encerra agora um estudo conduzido há dez anos, considera improvável que Thistle Creek revele amostras de ancestrais humanos.
— Não contamos com isso, ao menos neste território — pondera. — Teríamos mais chances em regiões elevadas, frias e secas, provavelmente em cavernas e montanhas da Rússia.
Um dos maiores desafios para os cientistas foi desenvolver um modelo tecnológico que proporcionasse a comparação do equino de Thistle Creek com oito de seus descendentes — cinco cavalos domésticos, de diferentes locais do mundo, um burro, o cavalo de Przewalski (a última população selvagem do planeta), e um outro de 43 mil anos atrás.
Os fósseis de dois dedos do cavalo recém-descoberto permitiram aos cientistas determinar o tamanho do animal. Seria equivalente ao das espécies domésticas atuais e maior do que as outras da mesma cadeia evolutiva.
— O cavalo que descrevemos no artigo teria o mesmo tamanho dos equinos atuais — destaca.
Gênero tem 4,5 milhões de anos
A análise é importante para determinar com que velocidade ocorreram as mutações do genoma. Com isso, os pesquisadores avaliam que o gênero Equus, que abriga todas as espécies de cavalos, burros e zebras, teria surgido há 4,5 milhões de anos. É, portanto, duas vezes mais antigo do que se pensava.
As oscilações da temperatura no planeta interferiram significativamente na população dos cavalos. Os equinos eram mais comuns em períodos gelados. Seu último pico foi há 25 mil anos, no fim da última era glacial. Com o aquecimento global, diversas espécies do gênero Equus foram extintas, porque as pastagens foram transformadas em florestas. Outras adaptaram-se ao clima mais quente.
Além da descoberta de um novo equino, o estudo trouxe respostas ao mistério do cavalo de Przewalski. Encontrada na Mongólia em meados dos anos 90, a espécie, que quase foi extinta duas décadas antes, é muito diferente fisicamente dos demais cavalos domésticos. Os pesquisadores não sabiam por que seu código genético tem um par extra de cromossomos.
Agora, com o mapeamento da cadeia genética dos cavalos, sabe-se que a linhagem de Przewalski distanciou-se 50 mil anos atrás dos outros equinos e que é o par extra de cromossomos que determina suas diferenças físicas.
Segundo os especialistas, as tecnologias aplicadas na pesquisa de biologia evolutiva e no estudo de genomas e proteínas “abrem novas portas” para a exploração de criaturas pré-históricas. Os novos métodos permitem observar e sequenciar o código genético de espécies dez vezes mais antigas do que as estudadas até hoje.