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Saramandaia e Anadia

O imaginário, a fantasia, o delírio, o sonho quando juntos podem nos levar a atos e lugares nunca visitados, desconhecidos, alucinantes e deslumbrantes.

O imaginário, a fantasia, o delírio, o sonho quando juntos podem nos levar a atos e lugares nunca visitados, desconhecidos, alucinantes e deslumbrantes. É nesta fantasiosa viagem, que às vezes embarcamos sem querer.

Transeuntes de histórias que nos rementem ao passado, me peguei mesmo diante de uma nova realidade que o nosso país atravessa – Onde a imperiosa necessidade da batalha é árdua-; sair as ruas e lutar. De repente, eu diante da tela da TV consumindo, devorando as imagens e as personagens do remake da novela Saramandaia.
Bole- Bole é uma cidade onde tudo pode acontecer, divertida e com a origem do nome ligada as peripécias do imperador Pedro I, que costumava visitar a cidade em suas aventuras amorosas. Daí o nome rebolissoso.
Lá no alto de uma colina a população costuma ouvir uivos nas noites de quinta-feira. A magia paira e invade canaviais, bosques e lençóis d’água.
A sinalização nos leva até ela, o seu CEP é desconhecido, e pode ser uma cidade de interior em qualquer parte deste país. Não parou no tempo: computadores, smartphones são vistos, usados e convivem de forma pacifica com carroças, moto- táxi, cabritos, porcos, galinhas, em um belo jardim encantado, em um habitat natural.
Este é o cenário pitoresco de Saramandaia seus personagens e a velha disputa pelo poder das famílias rivais os Vilar e os Rosendo.
Surgem personagens como: Zico Rosado, o homem que as formigas saem pelo nariz “o formiguento”; João Gibão que esconde de todos as asas que possui, usando um gibão de couro; Cazuza farmacêutico que costuma cuspir o coração pela boca quando se envolve em uma discussão politica; Dona Redonda que come sem parar e está sempre prestes a explodir; Professor Aristóbolo que sofre de insônia crônica e se transforma nas noites de lua cheia em lobisomem; a bela Marcina que pega fogo toda vez que começa a sentir desejos sexuais.
E Anadia, dos belos campos, matas, nascentes e do rio São Miguel, o primeiro a ser descoberto no Brasil e que conquistou os portugueses e até holandeses. A nossa cidade tem na sua origem o nome Anadia de Portugal, poetas, boêmios, escritores, pintores, professores, doutores de todas as ciências, homens e mulheres de bem, e personagens indispensáveis em qualquer set de gravação do mundo.
As personagens que vejo na tela, são os que frequentaram minha infância e adolescência, ali estavam eles presentes a fascinar. Como esquecer o Bem – Que nasceu em Anadia, tinha o sonho de voar e quando indagado sobre o perigo que isto representava, dizia que o bem não morre nunca; a Zefá da Cachoeira, negra de seio fartos, mãe de leite de muitos filhos, inclusive eu, criou um prole imensa vendendo seus doces, tapiocas, cocadas, dona de uma alma pura e cheia de encantos; o Dr. João Guilhermino encantava com o que falava, e sua cabaça cheia de “saber” – Nos fornecia a “desculpa” a não estudar muito para não ficar louco; a Becarraca Birindou com sua pose triunfal, laço no pescoço, de salto alto, maquiada, mas quando ouvia a pronuncia do seu apelido se desmantelava toda, passava a ser feroz e agressiva e deixava à mostra tudo, inclusive o seu desequilíbrio.
Dos balaios de roletes da Dona Filó, que um segredo guardava, por ser tão doce quanto mel, diziam que assim ficavam por conta de um bochecho que ela fazia com água e açúcar; as broas e cocadas da Maria do Isauro um verdadeiro manjar dos céus, a fama da Maria do Chico Veio que fazia até o Governador de Alagoas na época correr pra Anadia pra seus doces e cocadas degustar.
A beleza das mulheres da nossa terra tem fama nacional, a Claudete – A vedete, enfeitiçava, encantava e seduzia, a os ricos pobres e poderosos, aviões sobrevoavam nossos ares, aqui aterrissavam em busca de inconfessáveis desejos. A Meire Greice – Misse Alagoas eleita, era tão bonita quanto Lady Diana. Possuímos também uma bela jovem que quando passava incendiava os pensamentos e desejos dos homens, seu nome não posso mencionar.
Sem precisar lançar mão dos heróis dos contos de fadas, em cenas reais o Tiá que com uma perna só, fazia o que muitos com duas não conseguiam; o Fililiu que acreditamos ser o nosso matusalém varando o tempo e perpetuando o passado. Sempre que escrevo sobre os personagens do nosso imaginário popular uma questão sempre vem e me incomoda. O porquê de não estarem seus nomes e dos homens e mulheres de bem de Anadia nos nossos logradouros públicos.
Aqui também se ouviu por muito tempo, uivos nas noites escuras e estreladas, pena que os indícios recaiam sobre o seu oTunino, um aplicado funcionário dos correios, telegrafista, e encarregado de ligar e desligar o motor que fornecia a energia e iluminava a nossa cidade.
A ferro e a fogo eram moldados com as estridentes batidas do martelo do mestre Caboclo, que produzia as ferramentas vitais para a lida, e com maestria empunhava impávido, sua tuba fazendo a marcação da banda música local. A melodia se tornava completa com o canto dos pássaros, o relinchar do jumento do Zé Déia que junto as batidas do sino da igreja matriz nos orientavam o compasso do tempo.
Triste é constatar que a nossa cidade parou no tempo, a letargia e o imobilismo aqui imperam, nos deixando angustiados. Injusto é saber que uma dessas personagens o Mirueira, após um acidente quando criança vitimada pelo fogo que atingiu sua casa, deixando a sequela no seu queixo colado ao peito, nunca mais pode ver o lindo e estrelado luar da nossa terra, a não ser deitado e de lado, em uma posição nada confortável.
Será que os nossos gestores estão vivendo como o Mirueira? Só olhando para próprio umbigo! Deixando de olhar para o nosso lindo horizonte e para os filhos deste solo?
Sem teatro, cultura, saber e o lazer, empobrecem a nossa terra e limitam o nosso futuro.
“O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes” nos diz Cora Coralina.
Vou continuar escrevendo, contando e dizendo, haja vista que tem quem diga “Os poetas não morrem” indo mais além, digo, a nossa Anadia não seria a mesma sem essas personagens a nos povoar.
Saramandaia e Anadia fazem o mesmo sucesso na tela que assisto!
Viva Anadia por seus 212 anos.

(*) Ex-secretário de Estado e filho de Anadia

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