Integrantes da Mesa são acusados de improbidade.
O Ministério Público Estadual de Alagoas e o Ministério Público de Contas ingressaram com uma ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa contra integrantes da Mesa Diretora afastada da Assembleia Legislativa de Alagoas eleita para o biênio 2013-2014. Esta foi a primeira ação, de uma série de muitas que estão sendo preparadas pelo procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, os demais 14 promotores de Justiça que compõem o grupo designado para investigar fraudes na folha de pagamento da Casa de Tavares Bastos e os procuradores do MP de Contas. No dia 31 de outubro último, depois da propositura de uma ação cautelar que pediu o afastamento da então Mesa, a Justiça determinou que Fernando Toledo (PSDB), Antonio Albuquerque (PT do B), Sérgio Toledo (PDT), Jota Cavalcante (PDT), Maurício Tavares (PTB), Marcelo Victor (PTB), Marcos Barbosa (PPS) e Dudu Hollanda (PSD) não ficassem mais à frente da administração daquele Parlamento.
Na ação proposta esta semana, os Ministérios Públicos acusaram a Mesa Diretora afastada e a mesa da gestão anterior, todas comandadas pelo deputado estadual Fernando Toledo, de falta de transparência nas contas públicas, o que ocasionou supostas irregularidades na utilização de recursos financeiros destinados ao pagamento da folha de pessoal daquele Poder, durante os anos de 2010, 2011 e 2012.
Pelo regramento previsto na Constituição do Estado de Alagoas, durante o mês de março e, no mês de abril, obrigatoriamente, todos os anos, a Mesa Diretora tem obrigação de prestar contas aos próprios parlamentares do Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas do Estado, respectivamente. Todavia, depois de analisar documentos e equipamentos apreendidos durante o cumprimento de medida cautelar em novembro passado, ficou detectada a inobservância desse princípio legal por parte da Assembleia.
“A prestação de contas é devida por quem administra bens públicos ou de terceiros, ainda que não exista mandato formal. Mas, no caso da Mesa Diretora, os seus integrantes foram, legitimamente, eleitos para exercer tal função. Então, a obrigação em prestá-la vai além do compromisso legal, trata-se, igualmente, de uma questão moral, de respeito à coisa pública. O dever de prestação de contas visa resguardar o patrimônio público e seus administradores não podem negá-lo. Os gestores devem agir com absoluta transparência”, declarou Sérgio Jucá, procurador-geral de Justiça.
“As contas devem ser apresentadas na forma contábil, com lançamentos em ordem cronológica, créditos e débitos, acompanhada das respectivas individuações e clareza, com os devidos históricos e comprovantes. Entretanto, nada disso foi feito. A Assembleia continuou a receber seus duodécimos, durante todos esses anos, mesmo não tendo demonstrado de que forma gastou o dinheiro público”, detalhou José Carlos Castro, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público.
“A prestação de contas é necessária porque fornece subsídios aos órgãos de controle para que os mesmos possam fiscalizar se os bens, despesas e dívidas públicas estão sendo administrados corretamente”, complementou Alfredo Gaspar de Mendonça, coordenador do Gecoc.
A falta de transparência na prestação de contas permitiu que a Casa de Tavares Bastos cometesse uma série de supostos ilícitos penais, a exemplo de pagamentos ilegais a deputados e servidores. Depois de três meses debruçados sobre as folhas de pagamento e folhas de suplementares, após a oitiva de dezenas de servidores e, mais recentemente, investigando o conteúdo dos HDs e da papelada apreendidos durante o mandado de busca e apreensão na Assembleia, o MPE/AL e o MP de Contas já puderam constatar que aconteceram pagamentos acima do teto constitucional para funcionários, pagamentos indevidos de gratificações a servidores comissionados e depósitos de salários além do limite legal do cargo em comissão – com vários deles tendo sido realizados no mesmo mês -, o que levou as instituições a ter fortes indícios de que parte desses recursos tenha sido repassada aos deputados estaduais.
Pelos levantamentos realizados até agora pelos promotores de Justiça e procuradores de Contas, a malversação chega às cifras de dezenas de milhões de reais. Em 2012, ano que, coincidentemente, foi eleitoral, com pleitos realizados para os cargos de vereador e prefeito, servidores receberam depósitos num número bem maior que em 2010 e 2011, por exemplo, o que levanta uma outra suspeita dos MPs: esse dinheiro pode ter servido para patrocinar campanhas na capital e no interior.
Já um estudo elaborado pela Controladoria Geral da União (CGU) fez o cruzamento da folha de pagamento da ALE/AL com bancos de dados do Cadastro de Pessoas Físicas e Jurídicas da Secretaria da Receita Federal do Brasil; do CadÚnico – para identificação de pagamento de benefícios sociais, como o Bolsa-Família; do Sistema de Benefícios da Previdência Social (Sisben); do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e do Sistema Informatizado de Controle de Óbitos (Sisobi). O documento foi entregue aos membros da Procuradoria Geral de Justiça e do Ministério Público de Contas que, após análise, encontraram uma quantidade grande de indícios de irregularidades que teriam sido praticadas pelas duas últimas mesas diretoras.
A Constituição veda que servidores públicos tenham vínculos em empresas na qualidade de administradores ou responsáveis e, entre 2010 e 2013, ficou comprovado que 2.217 funcionários estavam nessa condição. Também não é permitida a acumulação de cargos e empregos públicos onde fica constatada a incompatibilidade de horários. Todavia, em 2012, por exemplo, havia 337 servidores que, somando os dois ofícios, tinham que trabalhar 84 horas semanais, o que seria humanamente impossível. Em 2011 foram 417 que deveriam dar expediente por 98 horas por semana e, em 2010, outros 152, cujas horas trabalhadas seriam de 86 de segunda a sexta-feira.
O MPE/AL e o MP de Contas também detectaram que 66 funcionários, entre janeiro de 2010 e julho de 2013, receberam R$ 7.096.620,94 (sete milhões, noventa e seis mil, seiscentos e vinte reais e quatro centavos) da Assembleia e, ao mesmo tempo, tiveram depósitos do Bolsa-Família de R$ 118.988 mil.
Já no município de Delmiro Gouveia, Sertão de Alagoas, um servidor, que foi agraciado com um lote durante o processo de reforma agrária e recebia o benefício do Sipra, teve vencimentos de mais de R$ 26 mil entre os anos de 2010 e 2013.
Servidores que estão aposentados por invalidez e recebem seus vencimentos pelo INSS, um deles há 34 anos, consta na folha de pagamento da Assembleia Legislativa. Nesse caso, em específico, a Previdência Social pagou a ele um salário de R$ 622,06, pelo menos, até julho do ano passado. Já do Legislativo, esse mesmo funcionário ganhou, somente no intervalo de tempo de janeiro de 2011 e outubro deste ano, exatos R$ 384.954,23. Na soma geral de aposentados por invalidez que também receberam da ALE/AL, está a conta de R$ 2.951.678,29 (dois milhões, novecentos e cinquenta e um mil, seiscentos e setenta e oito reais e vinte e nove centavos).
E também há indícios de que terceiros estejam recebendo os proventos de servidores que já morreram. Um cruzamento da folha de pessoal com o Sistema Informatizado de Controle de Óbitos (Sisobi) constatou que existe uma quantidade de pessoas mortas que ainda consta na lista de servidores da Casa de Tavares Bastos. Estima-se um prejuízo de R$ 292.996,92 (duzentos e noventa e dois mil, novecentos e noventa e seis reais e noventa e dois centavos).
Diante da ausência da prestação de contas, todas essas supostas ilicitudes foram ocultadas dos outros 19 parlamentares que não integram ou integraram as mesas diretoras e, principalmente, do Tribunal de Contas do Estado, órgão responsável pela análise da movimentação financeira dos legislativos. Através delas, os conselheiros do TC/AL poderiam realizar auditorias e encontrar tais irregularidades.
“É claro que todas essas informações precisam de uma apuração mais detalhada e estamos com um grupo de promotores dedicado à investigação. Entretanto, temos provas de que algumas ilicitudes, de fato, foram praticadas. E, como se tratou do cometimento de atos de improbidade administrativa, pedimos, novamente, o afastamento cautelar da Mesa Diretora eleita para o biênio 2013/2014. Essa, é a apenas a primeira ação principal que estamos propondo. Outras virão nos próximos dias”, assegurou Sérgio Jucá.
Na ação, o MPE/AL e o MP de Contas também requereram que os acusados sejam condenados com a perda da função pública, com a suspensão dos direitos políticos entre três e cinco anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração recebida, a proibição de contratarem com o poder público ou receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos.
Os Ministério Público Estadual e de Contas ainda sugeriram que o Estado seja intimado, para, querendo, atuar como litisconsorte ativo, passando a integrar a ação, também no papel de acusador.
No final do mês de junho, o deputado João Henrique Caldas (JHC) concedeu coletiva à imprensa para anunciar que a então Mesa Diretora da ALE/AL manipulava, de forma ilícita, a folha de pessoal do Parlamento e que boa parte dos servidores recebera, durante algum tempo, vários depósitos por mês, o que equivaleria a inúmeros salários de uma só vez. Ele também alegou que os dirigentes da Casa de Tavares Bastos teriam sacado, de forma irregular, mais de R$ 4,5 milhões na Caixa Econômica Federal de forma ‘misteriosa’ e voltou a falar sobre o pagamento, supostamente ilícito, da Gratificação por Dedicação Excepcional (GDE) para servidores comissionados. Segundo o parlamentar, um total de R$ 17,5 milhões teriam sido destinados para esse fim somente no ano de 2011. JHC disse ainda que a Mesa não teria repassado, no valor integral, as contribuições previdenciárias ao INSS e o imposto de renda devido à Receita Federal. No mesmo período, o parlamentar protocolou um requerimento no Ministério Público, pedindo para que a instituição apurasse as denúncias feitas por ele.
Em consequência disso, o procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, instaurou um inquérito civil no dia 15 de agosto, através da Portaria PGJ nº 952/2013, para investigar o teor da representação enviada ao MPE/AL pelo parlamentar, bem como os documentos que vieram em anexo, numa mídia de CD. O primeiro resultado das investigações foi a propositura de uma ação cautelar que resultou no afastamento da Mesa Diretora daquele Parlamento. Na ação, o MPE/AL demonstrou que houve pagamentos irregulares a funcionários. Vários órgãos de execução do Ministério Público compõem a equipe responsável pelas investigações. Pelos Núcleos de Defesa do Patrimônio Público dos 1º e 2º Centros de Apoio Operacional (CAO), os integrantes são José Carlos Silva Castro, Napoleão José Calheiros Correia de Melo Amaral Franco, Tácito Yuri de Melo Barros e Jorge Luiz Bezerra da Silva. Pelo Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas (Gecoc), fazem parte os promotores de Justiça Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, Luiz Tenório Oliveira de Almeida, Elísio da Silva Maia Júnior, Antônio Luis dos Santos Filho e Hamilton Carneiro Júnior.
Os titulares da Promotoria de Justiça da Fazenda Pública Estadual, George Sarmento Lins Júnior e Jamyl Gonçalves Barbosa, também integram a equipe. Os promotores de Justiça Maurício André Barros Pitta, Marluce Falcão de Oliveira e Givaldo Barros Lessa completam o conjunto de membros que estão coordenando as atividades. Todos eles estão atuando em parceria com Sérgio Jucá, que continua titular das investigações.
Igualmente participaram das investigações e subescreveram a ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa os procuradores do Ministério Público de Contas Rafael Rodrigues de Alcântara, Ricardo Schneider Rodrigues, Enio Andrade Pimenta, Stella de Barros Lima Méro Cavalcante e Rodrigo Siqueira Cavalcante.