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‘Márcias’ e ‘Félix’ chegam a vender 600 hot dogs por dia no Brasil

Inovação na receita, carinho e amizade, recheio em dobro, preço camarada e até "puxar o saco dos clientes" são algumas das receitas contadas por quem tem clientela cativa na rua.

Divulgação/TV Globo

Márcia e Félix, personagens da novela "Amor à Vida": flor na cabeça e "muita mostarda, ketchup e salsichão" para atrair clientes em barraca na rua de comércio popular 25 de Março, em São Paulo

Os personagens Márcia e Félix, da novela "Amor à Vida", deixaram em evidência milhares de empreendedores que vendem hot dog nas ruas das grandes e pequenas cidades. Apenas na capital de São Paulo, são 223 dogueiros motorizados com autorização para trabalhar. Em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, são 440. Não à toa, a cidade se intitula a capital do cachorro quente no Brasil.

Apenas no calçadão no centro da cidade, existem cerca de 30 carrinhos de cachorro-quente. É possível ver apenas um ou outro vendedor de pipoca e batata chip, mas o tradicional pão com salsicha, incluindo uma versão grande (e calórica) que vem no prato de isopor, reina absoluto.

Diante dessa ampla concorrência, pouca variação no produto carro-chefe e igualdade de condições (há um rodízio de pontos para que todos trabalhem o mesmo tempo nos locais mais e menos valorizados), o que poderia diferenciar esses empreendedores?

Rainha do Dog
O fornecedor dá a dica: a maior compra diária quem faz é a Adriana, a "que fica na frente da loja Pernambucanas", no calçadão de Osasco. A reportagem constatou em visita à barraca: cerca de dez clientes aguardavam as quatro funcionárias montarem rapidamente os dogs, que saem a um preço convidativo: R$ 2,50 cada.

A gerente Adriana da Silva Góis, de 35 anos, se surpreendeu com a indicação, mas reforça: em um dia bom, são vendidos cerca de 600 lanches por dia. Considerando que trabalha, em média, 11 horas por dia, é quase um hot dog por minuto.

O segredo da baiana que veio para São Paulo com apenas 14 anos para "ganhar a vida", mais do que o preço competitivo, é a limpeza e qualidade. "Só uso produto bom. E pego no pé para manter tudo limpo. Me disseram semana passada que tenho aquela doença de limpeza."

As funcionárias completam: também faz parte do segredo da ‘super vendedora’ Adriana puxar o saco dos clientes. "É meu neném para cá, querido para lá. Só falta dar beijo na boca", debocha uma delas.

Como consequência, seu público é diversificado. "Vem Félix, vem Valdirene. Tem de tudo", conta Adriana. Ela vai completar 16 anos de barraca e promete se aposentar no ano que vem. Diz sempre ter gostado da rua. "Era vendedora de loja antes. Me sentia muito presa."

Uma dezena de barracas depois da de Adriana, na Central do Dog, as atendentes não têm flor no cabelo como os personagens de "Amor à Vida", mas têm uma touca laranja para se diferenciarem. Perguntadas sobre o segredo da receita, já que foram vice-campeãs no 2º Festival do Hot Dog de Osasco, realizado este ano, dizem, bem-humoradas: recheio em dobro, com preço camarada.

A gerente Valdênia Rodrigues, de 21 anos, que veio de Campinas, interior do Estado, depois de perder o emprego para viver uma paixão, é chamada pela chefe de "A Valdirene do hot dog", a filha "periguete" da dogueira Márcia na novela. O sucesso, ela conta, é feito por dedicação. "Se não tiver vontade de trabalhar, já perdeu."

Oportunidade
Maria Aparecida, de 56 anos, foi campeã do concurso de hot dog da cidade deste ano, uma coroação de 20 anos de trabalho na sua barraca, que aumentou suas vendas em 70%. Hoje, vende cerca de 250 sanduíches por dia.

O que explica seu sucesso? Amizade, tratar bem e com carinho os clientes. "Se vem um mais nervoso, retribuímos com um sorriso e a pessoa já se acalma". Na receita do sanduíche, seu toque é o tempero. "Boto Sazon, Knorr, coentro e folha de louro. O cachorro-quente precisa ter sabor", define.

Maria é um exemplo do trabalho social que envolve os vendedores de dog. Aos 25 anos, ela perdeu as pernas por causa de uma trombose pós-parto. Chega a chorar quando lembra que, cansada de ficar em casa e cuidar dos filhos, resolveu tentar uma vaga no calçadão, sabendo que deficientes físicos tinham oportunidades. "No sorteio de 4 de maio de 1994, meu nome estava no primeiro crachá."

Hoje, Maria conta orgulhosa que ganha mais na barraca do que seu marido com a aposentadoria. "Ele diz que sou o homem da casa", ri. A dogueira também se orgulha dos clientes fiéis, que chegam a voltar já com filhos crescidos à sua barraca, de passagem pela cidade. Para contornar o rodízio, e manter a clientela, Maria dá seu cartãozinho, com os pontos onde estará sua barraca durante todo o ano.

Diferenciais
Seguindo um consumidor cada vez mais exigente, na capital de São Paulo ou Curitiba, os dogueiros de rua se esforçam para se diferenciar.

Arnaldo de Cara Cavalcanti, de 58 anos, é dono do Super Dog, localizado na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP) há 30 anos. Foi acrescentando ingredientes em seu lanche com o passar do tempo. Mas é o queijo da marca Catupiry e o pão baguete que fazem sucesso com os clientes. E dá a dica: o segredo, além da dedicação, é a frequência. "Debaixo de chuva ou sol, estou aqui."

Foi assim que conquistou o gerente de informática Jorge Avanitis, de 50 anos. "Trabalhei até tarde e vim comer no outro hot dog do campus, mas ele não estava lá. Estava com muita fome e quando vi o sanduíche na baguete, achei sensacional."

Em Curitiba, no Paraná, Phelipe Souza Rangel, de 32 anos, proprietário do Green Dog, leva a sério o tema inovação em seu trailer desde 2007. Além de vender cachorro-quente vegetariano, com salsicha de soja, ele tem lanches com receitas únicas, que incluem ingredientes como queijo gorgonzola, tomate seco e até castanha de caju. "Tem muito dogueiro na cidade", conta.

Os dogs custam de R$ 7 a R$ 15, sem acréscimos de ingredientes. Todo mês, Phelipe busca ter um lanche diferente. "Já fiz de estrogonofe e pernil com molho de tomate da vovó". O público parece ter aprovado. Em um dia de sol, ele vende cerca de 300 lanches por dia.

Lojas e até empresas
Nem só de barraquinhas e carrinhos na rua que vivem os dogueiros. É crescente o número de redes que vendem o sanduíche. Esse movimento teve um pioneiro: a Black Dog, de São Paulo, e seu diretor Leandro Neves.

Neves teve uma barraca de rua por quatro anos, que chegou a funcionar 24 horas e vendia cerca de 300 lanches por dia. Hoje, uma loja da rede comercializa cerca de 2,5 mil sanduíches diariamente, e a rede atingiu faturamento de R$ 9 milhões por ano. "A insegurança e mudanças na legislação dos ambulantes na cidade me afastaram da rua. Não podia viver de forma instável e resolvi apostar", conta.

Agora, tenta resgatar um pouco da personalização do atendimento para resgatar uma clientela perdida na transição. "O cliente gosta de montar o dog junto com o atendente. Industrializei muito o processo. Estou voltando atrás."

Os dogueiros de rua encontram caminho para crescer como Leandro, mas também podem trabalhar eventualmente para empresas como a Pop Ice, em São Paulo, que atua sob licença em estádios de futebol.

Dependendo do número de jogos, o número de sanduíches vendidos pode atingir 15 mil por mês. Em cada jogo, são vendidos de 4 mil a 7 mil hot dogs. O número de funcionários nos eventos chega a 300, incluindo cerca de 50 ambulantes que vendem o dog. Sucesso que nem o charme de Félix consegue na novela das 8.