‘Golpe’ pode antecipar fim da 1ª prefeitura do PSOL

Sem base de apoio na Câmara, prefeito do interior do Rio de Janeiro sofre CPI e mobiliza a cúpula do partido para evitar destituição.

Gelsimar Gonzagaprefeito Gelsimar Gonzaga (PSOL)

prefeito Gelsimar Gonzaga (PSOL)

“Povo itaocarense! Aqui é o prefeito Gelsimar Gonzaga. Querem me tirar do cargo, mas só com o povo na rua conseguiremos acabar com essa tentativa de golpe.” Um carro de som percorria diversas vezes o município do interior fluminense na tarde da última quinta-feira 12. Nas ruas íngremes da periferia da cidade, panfletos chamavam para uma manifestação “contra o golpe” naquela noite.

A prefeitura passava à população a ideia de que o chefe do Executivo poderia ser retirado do cargo a qualquer momento, uma possibilidade plausível diante dos atos da Câmara de Vereadores durante o primeiro ano de mandato do prefeito do PSOL. Gelsimar enfrenta a resistência do Legislativo municipal, onde somente um vereador o apoia e uma CPI foi aberta para investigá-lo.

Itaocara tem somente 23 mil habitantes, mas recebe atenção nacional do PSOL. A cidade é uma das duas primeiras prefeituras do partido, após quase dez anos como oposição no Legislativo. O PSOL acredita que a Itaocara poderia servir como uma vitrine de suas administrações, um exemplo da possibilidade de governar sem se comprometer com as concessões da “governabilidade” –principal motivo para dissidentes do PT terem formado o partido no começo da década passada.

Figuras mais conhecidas do PSOL, como o deputado estadual Marcelo Freixo (RJ) e a ex-deputada Luciana Genro (RS), já estiveram na cidade para demonstrar apoio ao prefeito. O diretório nacional e as bancadas do Congresso seguem na mesma linha, argumentando que a investigação na cidade é um golpe contra o prefeito.

Câmara não divulga motivo da CPI
A Câmara instalou a comissão no dia 3 de dezembro, com somente um voto contrário. Os aliados do prefeito Gelsimar Gonzaga argumentam que a CPI não tem um objeto claro e não investiga nada relacionado a corrupção. Segundo informações da Câmara, a comissão foi aberta porque um cidadão fez um ofício à casa pedindo informações da prefeitura. De lá, os requerimentos foram enviados ao prefeito, mas ele não deu respostas.

A reportagem tentou ter acesso aos pedidos não respondidos, mas o presidente da Câmara, Robertinho Cruz (PR), não os forneceu. O vereador alegou que o requerimento é um “documento da casa, interno”, e seria necessário o aval de toda a mesa diretora para ele ser acessado. Em entrevista, Robertinho não especificou quais foram os pedidos:

CartaCapital: No que consistem esses pedidos que não foram respondidos?

Robertinho: Informações do executivo, da administração.

CC: E o senhor sabe dizer quais informações são essas?

R: Assim de memória, todos, não. Se qualquer pessoa que faz a denúncia, você tem que se explicar. E agora, quem tem que se explicar é o prefeito. Nós não temos a resposta porque ele foi omisso.

CC: Mas quais foram os requerimentos?

R: Eu já entendi sua pergunta e você já teve sua resposta.

A reportagem tentou falar com os três integrantes da CPI para entender o que seria investigado nela. O vereador Edson da Sinuca (PMN) e a vereadora Aveline (PMN) se recusaram a dar entrevista. O vereador Renato do Papagiao (PMDB) não foi encontrado.

O único vereador do PSOL, Fernando Arcenio, diz que não teve acesso aos requerimentos e não conhece seu conteúdo. O vereador solicitou à mesa diretora acesso aos pedidos. Caso o pedido seja negado, Arcenio vai recorrer à Justiça.

O prefeito diz estar disposto a dar respostas, mas não tem como faze-lo sem saber do que tratam os requerimentos. “Não responder requerimento… tem sentido isso? CPI é para quando tem corrupção comprovada, ou mesmo não comprovada. Mas essa não tem justificativa nenhuma”, diz Gelsimar.

A prefeitura diz que esta não foi a primeira resistência da Câmara dos Vereadores. Outro episódio ocorreu na aprovação do aumento de salário de todos os servidores da cidade, feito em dezembro de 2012. Isso fez com que o custo dos salários em Itaocara extrapolasse os limites permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (46,55% da receita) quando o novo prefeito assumiu o cargo. Gelsimar se recusa a demitir funcionários e tenta outra forma de sanar as contas, enquanto rompe os limites da lei federal.

O prefeito também alega que a compra de remédios na cidade foi impedida durante 25 dias porque a Câmara não permitia o remanejamento de verbas, deixando os cidadãos cerca de um mês sem medicamentos. O presidente da Câmara, por sua vez, rebate. Segundo Robertinho Cruz, o problema foi gerado pela má administração do prefeito, a quem ele se referiu como “bobo da corte”. Assim como no caso da CPI, a prefeitura tentou mobilizar a população para conter os danos. Foram distribuídos panfletos em que se explicava a dificuldade com a Lei de Responsabilidade e os remédios.

Ex-cortador de cana, Gelsimar foi eleito na sétima tentativa
O atual prefeito de Itaocara perdeu seis eleições antes de ser eleito. Tentou ser deputado, vereador e prefeito em outros pleitos. Cortador de cana na infância, Gelsimar fez parte do sindicato dos bancários no Rio de Janeiro e entrou para o PT. De volta a Itaocara, militou no sindicato dos servidores públicos na cidade. Quando foi candidato a vereador pela primeira vez, em 1992, recebeu 56 votos.

Sua votação cresceu nos 18 anos seguintes. Neste período, migrou do PT ao PSOL, quando os “radicais” do PT foram expulsos porque votaram contra a Reforma da Previdência proposta por Lula. Em sua primeira tentativa de se eleger prefeito, em 2008, Gelsimar obteve pouco mais de 6% dos votos. Em 2010, conseguiu quase 25% dos votos para deputado estadual da cidade, quando anunciou que deveria ser candidato novamente. Em 2012, foram 44,3% do total – 6.796 votos.

Gelsimar diz que seu principal programa na prefeitura foi a instituição do “passe livre” para os estudantes que moram em Itaocara e estudam em faculdades de outras cinco cidades do noroeste carioca.

O prefeito também tem tentado aumentar a participação da população no mandato. Seus secretários, por exemplo, foram escolhidos em praças públicas. O prefeito também tem feito reuniões na periferia da cidade, onde responde qualquer questionamento dos cidadãos. Robertinho, o presidente da Câmara, diz que os secretários eram pré-indicados e que as assembleias do prefeito são “um circo”.

Gelsimar alega que não consegue governar por não ter aceitado se submeter às práticas de corrupção da cidade. O combate à corrupção é a principal bandeira do prefeito, que inclusive usa o termo “marajás” em seus discursos. Antes de Gelsimar assumir a prefeitura, Itaocara povoou o noticiário político com casos de funcionários fantasmas no serviço público e a dispensa ilegal de licitação pública, ambos denunciados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Em 2012, um secretário foi preso por desviar marmitas de um hospital público. No ocasião, foram apreendidas 16 quentinhas.

Itaocara é prefeitura mais radical do PSOL
Itaocara foi a única cidade em que o PSOL venceu no primeiro turno da eleição municipal de 2010. A outra prefeitura do partido é Macapá, a capital do Amapá, onde Clécio Luis foi eleito com apoio de outros partidos e doações de empresas. A postura gerou críticas das tendências mais à esquerda do PSOL.

Em Itaocara, uma ala menos sujeita a alianças foi vitoriosa. Para Gelsimar, Clécio pratica o “mensalão” para se manter na cidade, já que busca alianças amplas. Ele também diz que não irá apoiar a candidatura do senador Randolfe Rodrigues (AP) à presidência se ele não “vier mais para a esquerda”.

Gelsimar faz parte da tendência de influência trotskista Corrente Socialista dos Trabalhadores, cujo nome mais conhecido é o ex-deputado federal Babá (BA). Ele esteve no protesto da cidade na última quinta-feira, quando cerca de 300 militantes foram à frente da prefeitura em apoio ao prefeito. Um ônibus de militantes do PSOL, vindo do Rio de Janeiro, também compunha o ato.

O chefe de gabinete do prefeito, Marco Antonio, faz parte da mesma corrente de Gelsimar e Babá. Críticos à nomeação de Marco Antonio, vereadores se mobilizaram contra a presença do que chamavam de “forasteiros” na prefeitura. Em junho, eles chegaram a fazer protestos pedindo a saída do chefe de gabinete, nascido em Macapá e radicado no Rio de Janeiro. “Ninguém sabe suas origens. O que é, para que veio. Esse rapaz caiu de paraquedas e hoje é o homem que manda no município, um cidadão que nem voto tem. O prefeito eleito não escuta ninguém, só esse rapaz,” diz Robertinho.

O chefe de gabinete diz ter buscado diálogo com os vereadores desde que chegou, no ano anterior, mas não foi bem sucedido. “Somos revolucionários, mas não somo porra-loucas,” diz Marco Antonio.

Isolado, Gelsimar diz que governar desta forma era sua única alternativa, e faz um paralelo com o ex-presidente Lula. “[Os vereadores] falaram: ou você dá o dinheiro, ou você não vai governar. Nós vamos bagunçar seu orçamento e nós vamos tentar te afastar de todas as formas,” diz Gelsimar. “Eu resolvi não dar. Eu prefiro ser cassado do que implementar a corrupção que era antes aqui, e que acontece no Brasil todo”.

Fonte: Carta Capital

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