Atleta de 24 anos levou três tiros de PM na segunda (19) e morreu na terça. Os surfistas Jacqueline Silva e Mineirinho acompanharam o sepultamento.
O corpo do surfista Ricardo dos Santos, morto na terça-feira (20), foi enterrado pouco depois das 12h desta quarta-feira (21) no cemitério de Paulo Lopes, na Grande Florianópolis. O velório ocorreu desde 23h de terça na Guarda do Embaú, Palhoça, onde o atleta nasceu e morava. Ele foi baleado na manhã segunda (19) e morreu no hospital no início da tarde de terça.
Ricardinho, como é conhecido, levou três tiros entre o tórax e o abdômen, na manhã de segunda (19), após um desentendimento com um policial, que estava acompanhado do irmão, menor de idade. O surfista morreu às 13h10 de terça no Hospital Regional de São José, na Grande Florianópolis. Ele passou por quatro cirurgias, três delas na segunda, mas não resistiu aos ferimentos.
Jacqueline Silva, Mineirinho, Alejo Muniz, Renan Rocha e Luan Wood são alguns dos surfistas que estiveram presentes no adeus a Ricardinho. No local do seputalmento, parentes e amigos do atleta gritatam: "justiça, justiça, justiça".
O corpo chegou sob aplausos por volta das 23h de terça. Muitas estavam de branco e seguravam velas. Inicialmente, a família havia optado pela cremação e depois jogar as cinzas no mar da Guarda do Embaú, em Palhoça, Santa Catarina, mas, devido à dificuldade nos trâmites para emissão da escritura de cremação, os familiares decidiram realizar o enterro.
Na manhã desta quarta, mais amigos do surfista compareceram ao velório, no salão da paróquia Santa Terezinha. No local, foram colocadas várias fotos do catarinense surfando e pranchas que ele usava para praticar o esporte. O clima foi de tristeza e indignação.
O Hospital Regional de São José, na Grande Florianópolis, informou que as córneas do surfista Ricardo dos Santos, 24 anos, foram retiradas e serão doadas. A direção do hospital esclarece que, por não ter ocorrido morte encefálica, e sim parada cardíaca, demais tecidos e órgãos não puderam ser aproveitados para doação.
O policial militar Luis Paulo Mota Brentano, de 25 anos, suspeito de ter disparado os três tiros contra Ricardinho, já respondeu a outros processos criminais – e foi absolvido em todos, segundo a PM.
O delegado responsável pela investigação, Marcelo Arruda, disse que solicitará a mudança da tipificação do crime de tentativa de homicídio para homicídio doloso qualificado – alteração que ainda deve ser analisada pela promotoria de Justiça.
Em paralelo, o PM também responderá a um inquérito militar pelo mesmo crime. Segundo Arruda, será feito na tarde desta terça o exame balístico no IML para verificar se as balas perfuraram a vítima pelas costas. Algumas testemunhas informaram que o terceiro tiro foi disparado quando o rapaz tentava fugir do agressor.
"A continuidade do inquérito depende do laudo cadavérico e da reconstituição dos fatos", afirmou o delegado, acrescentando que todos os depoimentos previstos já foram coletados.
O PM responde a inquérito das polícias Civil e Militar, que correm em paralelo, e têm prazo legal entre 30 e 45 dias para conclusão, respectivamente, com possibilidade de prorrogação.
"Após o inquérito, a corporação pode aplicar uma advertência ou até mesmo a expulsão do soldado da Polícia Militar. Caso ele pegue uma pena acima de dois anos, seja na Justiça comum ou militar, automaticamente ele será desligado", explicou a tenente-coronel, Claudete Lemkuhl. "Caso ele seja culpado, a certeza da punição é muito grande, já que a Justiça Militar tem códigos muito severos", afirma.
O soldado está preso no batalhão da PM de Florianópolis por tempo indeterminado. O PM estava em férias no dia do crime. Sobre o fato do PM estar de férias no dia do crime, a tenente-coronel afirmou que um policial tem direito a permanecer com porte de armas mesmo em recesso.
A polícia apura duas versões contraditórias apresentadas pelo suspeito do crime e por testemunhas, entre elas familiares de Ricardinho. Em depoimento na segunda, Brentano afirmou que atirou em legítima defesa, já que a vítima estaria com um facão.
"[O policial] Disse que a vítima teria tentado agredir e que ele teve que se defender", afirmou o delegado Marcelo Arruda. O menor de idade que acompanhava o PM na hora do crime e seria seu irmão contou a mesma versão. Ele foi ouvido como testemunha e liberado pela polícia.
No entanto, os policiais militares que atenderam a ocorrência não apreenderam nenhum facão no local dos disparos, disse Arruda. Já a arma e o carro do policial foram encaminhados para o Instituto Geral de Perícias (IGP).
Um tio e o avô de Ricardinho afirmaram em depoimentoque não houve nenhum tipo de agressão que motivasse os disparos, segundo Arruda.
Testemunhas ouvidas pela polícia contaram que, por volta das 8h30 de segunda, Ricardinho e o avô dele, Nicolau dos Santos, iam começar o conserto de um cano que traz água do morro e abastece as casas da família.
Um carro estava parado sobre o ponto onde o cano passa. O surfista teria pedido aos dois ocupantes para que o automóvel fosse tirado dali, mas um deles teria reagido de forma agressiva.
O morador da Guarda do Embaú Mauro da Silva relatou que o policial disse "quem manda aqui é nós". "No exato momento, eu cheguei junto e o Ricardo falou ‘como quem manda aqui é nós se eu nasci aqui, nunca vi vocês aqui’. Eu cheguei e falei ‘não, cara, é melhor vocês saírem’".
Segundo os moradores não houve uma discussão forte e, quando todos achavam que o motorista estava saindo com o veículo, o policial sacou uma pistola e atirou duas vezes contra Ricardo. O atleta ainda tentou fugir, mas foi atingido por mais um tiro nas costas, conforme testemunhas.
Outra versão de testemunhas afirma que o policial e o irmão estariam consumindo drogas na frente da casa do surfista, que pediu para eles saírem do local. Teria havido uma discussão e os tiros. O inquérito policial vai apurar o que realmente aconteceu.
Para a PM, há uma contradição quanto ao suposto uso de drogas. "Foi o próprio soldado que solicitou o exame toxicológico. Ele confessou que teria ingerido álcool na noite anterior, mas não outras drogas", disse a tenente-coronel Claudete.
O resultado do exame será encaminhado à delegacia de Polícia Civil e depois para a Corregedoria, responsável pelo inquérito militar.