Eliminar da zona do euro economias em recessão - mas de grande importância, como a Itália - resultaria em conflitos diplomáticos incalculáveis naquela região.
Quando a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço foi criada, em 1951, o continente se recuperava das feridas de duas guerras mundiais e uma série de conflitos diplomáticos que se estenderam por séculos. Os objetivos daqueles seis países fundadores (França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) era evitar um novo grande conflito armado e, de quebra, integrar o grupo economicamente. Quarenta e um anos depois, em 1992, o projeto ganhou moeda única, mais membros e passou a ser chamado União Europeia, ao qual foram somados Grã-Bretanha, Espanha, Portugal, Grécia, Dinamarca e Irlanda. Hoje, aquela ideia inicial de integração total da região parece mais frágil do que nunca. Culpa da crise do euro que, à medida que afunda a economia leva consigo a estabilidade que o bloco havia conquistado a duras penas até aqui.
O problema assusta todos os 27 membros desde que a crise abraçou a Grécia em 2009. De lá para cá, Portugal e Irlanda também sofreram turbulências e precisaram da ajuda de instituições financeiras europeias. Contudo, só agora que a recessão da Itália se mostra mais profunda do que parecia, é que o grupo pensa seriamente em uma reformulação. O país é grande demais para ser socorrido, alegam. E na falta de uma ideia que permita a recuperação em conjunto, os líderes de França e Alemanha – “guias" da UE desde o início – começam a discutir nos bastidores a hipótese de rachar a zona do euro, ou seja, o conjunto dos 17 estados que usam a moeda comum. Seria como separar o joio do trigo, para evitar uma decadência generalizada.
O problema é que União Europeia não é apenas um arranjo econômico. Ela é um extraordinário experimento político – pode-se até dizer civilizacional, sem medo da palavra grandiosa. “A criação de diferentes grupos dentro da zona do euro pode até ser uma solução para a crise econômica”, disse ao site de VEJA José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (Ibmec). “Ela causaria, no entanto, uma crise política e de identidade."
Niemeyer explica que cada membro da UE desempenha um papel que não se restringe ao tamanho de sua economia. A Itália, por exemplo, pode estar vivendo uma grave crise financeira, mas ainda possui uma posição estratégica de proximidade com o Oriente Médio que é indispensável tanto para questões de escoamento de petróleo como para amenizar eventuais conflitos com a região. Dessa forma, é fundamental que cada estado se sinta parte de um grupo consistente, e não de um clube em que alguns são excluídos quando "não servem mais".
Ao mesmo tempo, nada torna um país mais disposto a colaborar com outro em questões políticas e estratégicas do que laços econômicos bem amarrados. “O projeto da União Europeia, desde o início, envolve a incorporação de países; a criação, na perspectiva política, econômica e estratégica, de um grupo coeso", diz Niemeyer. "Sua função é nutrir um sentimento de pertencimento a um todo europeu. Se houvesse exclusões de países da zona do euro haveria, principalmente, uma descaracterização de seu princípio fundador e, logo, essa ‘identidade europeia’ ficaria em xeque.”
Rejeição – O cientista político britânico John McCormick, autor de livros que tratam da integração europeia, acrescenta que existe o risco de essa crise de identidade reforçar entre a população um já existente – embora ainda pequeno – sentimento de rejeição ao bloco. Pesquisas recentes já mostram um movimento nessa direção: em fevereiro de 2009, 32% dos europeus não viam nenhum benefício no fato de seu país ser membro da UE; em maio deste ano, o índice subiu para 37%.
Além disso, a exclusão de países da zona do euro poderia semear rancores entre as nações, destaca. A fragmentação devolveria desentendimentos que hoje são resolvidos na arena política, por meio de diversas instituições criadas para servir ao bloco, ao âmbito da diplomacia – no continente onde Carl von Clausewitz concluiu, no século XIX, que "a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios". Diz McCormick: “A União Europeia é grande demais para falhar. Os europeus sabem que não podem deixá-la afundar. Não apenas por drásticas e imediatas consequências econômicas, mas também devido aos reflexos políticos de longo prazo.”