Soma das diferenças entre maior e menor valor de cada um é de R$ 1,7 bi.
Governos federal, estaduais e Tribunal de Contas da União (TCU) divergem sobre o valor das obras de 10 dos 12 estádios que receberão partidas da Copa do Mundo no Brasil em 2014.
Levantamento do G1 a partir de relatório do TCU; do Portal da Copa, do Ministério do Esporte; e dos sites oficiais da Copa nos 12 estados-sede indica que a soma das diferenças entre o maior e o menor valor apontado para cada estádio chega a R$ 1,723 bilhão – cifra suficiente para reformar dois Maracanãs. As justificativas para as diferenças também são divergentes.
Além da arena carioca, outros nove estádios (Mineirão, Estádio Nacional de Brasília, Arena Pantanal, Castelão, Arena da Amazônia, Arena das Dunas, Beira-Rio, Arena Pernambuco e Fonte Nova) registraram diferença entre os valores divulgados por suas respectivas administrações e os dados oficiais do governo federal.
Somente o Itaquerão (São Paulo) e a Arena da Baixada (Curitiba) não apresentaram distorções – o primeiro, porque os valores são coincidentes nos sites oficiais; a segunda, porque o governo paranaense não divulga o valor oficial. Em ambos os casos, os estádios são privados – os clubes Corinthians e Atlético Paranaense são os administradores.
Segundo o pesquisador Fabiano Angélico, especialista em acesso à informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a distorção expõe falta de transparência na divulgação do que governo federal, estados e municípios estão desembolsando para viabilizar a realização da Copa nessas localidades. Não é possível saber qual é o valor verdadeiro das obras.
Questionadas a respeito do valor oficial dos estádios, todas as esferas administrativas confirmaram trabalhar com valores diferentes e não especificaram qual é o valor real do conjunto de investimentos. Admitiram apenas que alguns dos valores divulgados estão desatualizados.
Críticas à organização da Copa abalaram a relação entre o governo federal e a Federação Internacional de Futebol (Fifa) na última semana. No último dia 2, o secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, disse que "as coisas não estão funcionando no Brasil". Na mesma ocasião, afirmou que o país precisava de um "pontapé no traseiro", o que gerou protestos do governo, que anunciou que não iria mais aceitar Valcke como interlocutor. Depois, a Fifa pediu desculpas pelo episódio, e o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, enviou carta à Fifa aceitando os pedidos.
Maiores distorções
Segundo o levantamento, as maiores diferenças nos valores divulgados estão nas obras dos estádios Maracanã, no Rio; Nacional Mané Garrincha, em Brasília; Arena Pantanal, em Cuiabá; e Fonte Nova, em Salvador. Todas apresentam, entre números divulgados pelo governo dos estados, Ministério do Esporte e TCU, diferenças superiores a R$ 100 milhões.
A maior diferença aparece no caso da Fonte Nova. Enquanto o governo da Bahia divulga em seu site que gastará R$ 591,7 milhões na reconstrução do estádio, o governo federal, no Portal da Copa, diz que a obra custará R$ 597 milhões; e o TCU, R$ 1,605 bilhão. Segundo relatório do tribunal, o governo da Bahia terá de desembolsar R$ 107 milhões anuais durante 15 anos como "contraprestação" prevista no contrato de parceria público privada com a construtora. A informação, porém, não consta do site do governo baiano.
A diferença verificada nas obras do Maracanã é de R$ 177,9 milhões. Em seu relatório, o TCU diz que serão gastos R$ 705,6 milhões. O site do ministério, R$ 883,5 milhões. O governo do estado do Rio, por meio da assessoria de imprensa da Empresa de Obras Públicas (Emop), informou R$ 859 milhões.
A Arena Pantanal, em Cuiabá, é orçada em R$ 342.060.007,96, de acordo com o TCU; em R$ 518,9 milhões, segundo o Portal da Copa; e em R$ 359 milhões, conforme o governo de Mato Grosso.
Os estádios em Fortaleza e Natal são, por sua vez, os que apresentam as menores diferenças: R$ 7,4 milhões e R$ 17 milhões, respectivamente.
Questionados, estados argumentam que os valores divulgados pelo relatório do TCU estão defasados ou levam em consideração quantias não oficiais. O TCU, por sua vez, reconhece que alguns valores foram divulgados no fim do mês passado, já defasados.
Transparência
"É muito comum aqui no Brasil que os governos entendam transparência como colocar uma informação de qualquer jeito na internet", pondera Fabiano Angélico, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em acesso à informação.
Segundo ele, os governos ainda não têm preparo técnico, ou mesmo interesse, em cumprir à risca a publicação de dados oficiais.
"De um tempo para cá, tem havido essa onda de promover a transparência, e os governos, a contragosto, foram obrigados a tomar essas medidas. Mas as coisas são jogadas na internet, sem linguagem acessível", disse.
Para Angélico, embora a responsabilidade pela divulgação dos dados seja, por lei, dos estados e municípios, a União deveria encabeçar projetos que unificassem essas informações em bancos centralizados. Seria uma forma de uniformizar o acesso. Uma alternativa, segundo ele, seria condicionar os repasses da União à transparência.