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Gravações mostram envolvimento de Cachoeira com Túlio

Túlio renunciou ao cargo de vereador para tentar a marca do milésimo gol na carreira

Terra

Túlio Maravilha

A teia de conexões do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e personalidades se mostra cada dia mais extensa. Com base em conversas gravadas pela Polícia Federal e que constam no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF), o jogador de futebol e ex-vereador Túlio Maravilha manteve relações com o contraventor até renunciar ao seu mandato na Câmara Municipal de Goiânia, no ano passado.
A primeira conversa na qual o nome de Túlio aparece foi registrada no dia 11 de março de 2011 e é entre o bicheiro e o vereador Santana Gomes (PMDB-GO). Nela, Cachoeira pergunta ao interlocutor "o que o Túlio quer".

Na conversa seguinte, Santana diz que Túlio quer que Cachoeira "arrume um contrato para ele, os R$ 30 mil". O contraventor responde que já arrumou esse dinheiro para o jogador. Nesse momento, o contador de Cachoeira, Geovani Pereira da Silva, entra na conversa e diz achar que Túlio quer, na verdade, o dinheiro dele de volta.

Ainda no dia 11 de março, Cachoeira e Santana voltam a conversar sobre o assunto. O relatório da PF não apresenta a transcrição, mas apenas o resumo dos diálogos. Nesse, Cachoeira diz que o também ex-vereador Wladimir Garcez e Túlio Maravilha queriam "dividir o salário".
O bicheiro ainda faz uma confissão, dizendo que há pessoas interesseiras querendo se aproximar dele. Ele afirma também que apoiou a candidatura de Santana Gomes à Câmara Municipal de Goiânia.

No dia seguinte, o jogador volta a ser o tema das conversas entre Santana e Cachoeira. Santana avisa o contraventor que Túlio Maravilha estaria contratando funcionários fantasmas na "Câmara Legislativa de Goiás". O Terra não conseguiu confirmar com a PF se houve um erro na transcrição das conversas, uma vez que Túlio era vereador, e não deputado estadual.

Fita comprometedora

Em outra conversa, Santana e Carlinhos Cachoeira combinam de soltar alguma notícia para prejudicar alguém e se beneficiarem nas eleições deste ano. Segundo o relatório da PF, "Santana diz que alguém mancomunado com Luciano Pedroso para tomar o lugar de Túlio e pede para Carlinhos fazer algum acordo com eles".

Luciano Pedroso, atual vereador de Goiânia pelo PMDB, era suplente de Túlio Maravilha e ocupou sua vaga na Câmara Municipal quando o jogador renunciou ao cargo para se dedicar à campanha pelo milésimo gol de sua carreira.

Em outra conversa, Santana afirma a Cachoeira que vai precisar de Túlio para ser testemunha de uma conversa. Falam de uma fita envolvendo o jogador e que seria divulgada nacionalmente. Cachoeira adverte que "tem muita denúncia em cima de Santana". Eles combinam de conseguir a fita antes de falar com Túlio.
Em diálogo do dia 14 de março de 2011, Cachoeira diz a Santana que esteve com Túlio e que ele teria explicado tudo sobre a situação da tal fita. O bicheiro ainda afirma que "Túlio quer arrumar dez empregos para (Marconi) Perillo, (governador de Goiás), quer os empregos de volta da prefeitura e pediu, ainda, para Carlinhos depositar um dinheiro para ele".

No mesmo dia, Cachoeira fala com Santana sobre a tentativa de comprar a fita na qual Túlio apareceria. Em outro diálogo, Santana e Garcez também conversam sobre a tal fita. Santana diz que dá para editar o material e que Cachoeira teria interesse em comprar as imagens. Vinte minutos depois, os dois conversam sobre um acordo com Luciano Pedroso para derrotar Túlio.

Uma semana depois, Cachoeira pergunta para Santana sobre a fita. Santana sugere "queimar" Túlio e levar o também vereador Elias Vaz (Psol-GO), candidato a prefeitura de Goiânia, para ver as imagens. Santana sugere negociar a fita com Luciano Pedroso por R$ 50 mil.
Em uma ligação no dia 31 de março, Carlinhos finalmente revela o conteúdo da fita em conversa com um homem não identificado. Segundo o inquérito, a fita mostraria o jogador com o prefeito Paulo Garcia (PT). Garcia assumiu o cargo após a renúncia de Iris Rezende (PMDB) para concorrer ao cargo de governador nas eleições de 2010. No mesmo diálogo, o bicheiro revela que quer fazer negócio.
No dia 13 de abril, Santana aparece novamente falando sobre Túlio Maravilha. No diálogo, ele diz que vai pedir para Elias Vaz pegar a fita que contém Túlio Maravilha e falar com Luciano Pedroso para publicarem o conteúdo.

O Terra entrou em contato com Túlio Maravilha, mas não obteve resposta sobre o caso. Os vereadores Santana Gomes, Luciano Pedroso e Elias Vaz não foram localizados. A assessoria do prefeito Paulo Garcia afirmou que não comentaria as "acusações levianas" de que teria algum vídeo comprometedor envolvendo o prefeito e Túlio.

Acusado de comandar a exploração do jogo ilegal em Goiás, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, foi preso na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, em 29 de fevereiro de 2012, oito anos após a divulgação de um vídeo em que Waldomiro Diniz, assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, lhe pedia propina. O escândalo culminou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos e na revelação do suposto esquema de pagamento de parlamentares que ficou conhecido como mensalão.

Escutas telefônicas realizadas durante a investigação da PF apontaram contatos entre Cachoeira e o senador democrata Demóstenes Torres (GO). Ele reagiu dizendo que a violação do seu sigilo telefônico não havia obedecido a critérios legais.

Nos dias seguintes, reportagens dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo afirmaram, respectivamente, que o grupo de Cachoeira forneceu telefones antigrampos para políticos, entre eles Demóstenes, e que o senador pediu ao empresário que lhe emprestasse R$ 3 mil em despesas com táxi-aéreo. Na conversa, o democrata ainda vazou informações sobre reuniões reservadas que manteve com representantes dos três Poderes.

Pressionado, Demóstenes pediu afastamento da liderança do DEM no Senado em 27 de março. No dia seguinte, o Psol representou contra o parlamentar no Conselho de Ética e, um dia depois, em 29 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski autorizou a quebra de seu sigilo bancário.

O presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), anunciou em 2 de abril que o partido havia decidido abrir um processo que poderia resultar na expulsão de Demóstenes, que, no dia seguinte, pediu a desfiliação da legenda, encerrando a investigação interna. Mas as denúncias só aumentaram e começaram a atingir ouros políticos, agentes públicos e empresas.

Após a publicação de suspeitas de que a construtora Delta, maior recebedora de recursos do governo federal nos últimos três anos, faça parte do esquema de Cachoeira, a empresa anunciou a demissão de um funcionário e uma auditoria. O vazamento das conversas apontam encontros de Cachoeira também com os governadores Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal, e Marconi Perillo (PSDB), de Goiás. Em 19 de abril, o Congresso criou a CPI mista do Cachoeira.