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Cultura nordestina é foco de coleção da artista Tânia de Maya Pedrosa

Acervo reúne cerca de 1.500 objetos, entre esculturas, pinturas e artes sacras; parte deles está em exposição permanente na sede do Iphan

Ailton Cruz/Agência Alagoas

Tânia e suas peças de arte popular: um acervo histórico

No apartamento da artista plástica Tânia de Maya Pedrosa, as peças estão por todo lugar. Para onde quer que se olhe, lá estão elas, espalhadas pelas paredes, pelos móveis e no chão.

Garimpados por todo o Nordeste, os objetos fazem parte da coleção da guardiã, que traz algumas das maiores preciosidades da cultura local. Ao todo, são 1.500 delas, entre esculturas, pinturas e artes sacras.

O hobby teve início há aproximadamente 50 anos, impulsionado pela infância dos filhos. Foi em viagens a Pernambuco que a pintora comprou seus primeiros itens: brinquedos de madeira e barro adquiridos para presentear as crianças. “Nessa época, eu morava em Capela e gostava muito de ir a Caruaru, só que, até então, não sabia que aquilo cresceria tanto. Só sabia que eles me atraíam”, diz.

Foi já na cidade de Maceió, entretanto, que Tânia encontrou espaço e oportunidade para aumentar sua coletânea. Na ampla casa em que vivia na Ponta Verde – hoje ela ainda mora no mesmo bairro –, um dos quartos era exclusivo para seus artefatos. Ainda assim, ela conta que, para desespero da família, eles eram tantos que ocupavam ainda outros cômodos e até mesmo o jardim.

Devido à dimensão, boa parte da coleção encontra-se hoje resguardada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Alagoas. Na sede da entidade, no Jaraguá, uma instalação projetada pela museóloga Cármen Lúcia Dantas e pelo arquiteto Henrique Gomes expõe permanentemente cerca de mil peças da artista – as outras 500 continuam no apartamento dela.

Completamente apaixonada por seu universo particular, Tânia revela que se separar dos itens – assim como dos quadros de art naïf pintados por ela – não foi nem um pouco fácil. “Às vezes sinto saudades, fico olhando as fotos dos que já não estão mais aqui. Para mim, eles são meus filhos também e só sabe o que é essa separação quem passa por ela, tanto como colecionador quanto como artista”, expõe.

Peças raras

E não é só o tamanho da coletânea que impressiona: a raridade também é um atrativo à parte. Muitos dos itens não podem mais ser comprados, seja porque o artesão faleceu ou porque já não produz mais. Estimar os valores é difícil, mas, segundo a pintora, os mais caros são os assinados por mestres renomados, como Nino, do Ceará; Vitalino, de Pernambuco, e Fernando da Ilha do Ferro, de Alagoas.

A coleção conta ainda com objetos fabricados por João das Alagoas, Sil, Manoel da Marinheira, Zezito Guedes e Dedé (AL), Véio (SE), Louco (BA), Eulálio e Cipriano (CE) e Roberto Vital e Galdino (PE). Algumas preciosidades chegaram a custar até R$ 12 mil – outras, no entanto, não passaram de R$ 1, como é o caso dos brinquedinhos de madeira e barro comprados para os filhos.

Tânia revela que precisou de ousadia para adquirir os mais caros. “Meu avô era criador de gado e uma vez me deu uma vaca de presente. Eu queria muito um quadro do Fernando Lopes, de São Miguel dos Campos, pois todo colecionador tinha que ter um. Então, decidi vender minha vaquinha. Também troquei muitos quadros meus. As pessoas me chamavam de louca”, lembra, aos risos.

Apesar disso, a colecionadora ressalta que o valor sempre foi o menos importante para ela. “Não olho essas coisas. Para mim, o preço não existe. Geralmente, faço alguns sacrifícios para comprá-las, mas amo todas essas peças de maneira igual, das mais caras às mais baratas. Já quiseram levá-las para longe de vez, para outros países, mas o lugar delas é aqui, nesse Estado”, diz ela.

Pesquisas

Junto com o entusiasmo, a coleção de Tânia permitiu que ela adquirisse também uma extensa bagagem cultural. Formada em Direito e tendo cursado Letras (Francês) e vários cursos de Literatura, foram mesmo os artefatos que aguçaram sua curiosidade a respeito do mundo. O conhecimento foi sendo acumulado ao longo das últimas décadas, em seus garimpos pela Região Nordeste.

“Gostava dos objetos e comprava, mas, a partir daí, tinha a necessidade de pesquisar e ver o que eles representavam, qual era a sua importância para os costumes de cada localidade. Comecei então a estudar a arte popular e seus significados. Na época em que viajava muito, ia até aos museus da Europa para fazer cursos sobre isso”, descreve a colecionadora, hoje com 78 anos.

A paixão pelo tema é tanta que ela já coordenou a publicação de três livros a respeito: Arte Alagoas I e II e Arte Popular de Alagoas, que trazem informações sobre artistas alagoanos, pelos quais ela se derrete em elogios. “Eles são muito bons. Com um pouco mais de apoio, com certeza estariam entre os melhores do País”, opina ela, que ainda ajudou a arte de vários deles a chegar a outros estados e países.

Para ela, proporcionar esse reconhecimento sempre foi o objetivo maior de seus esforços. “Quem é colecionador não o é por acaso. É preciso ter um olhar diferenciado para achar e cuidar dessas peças e o que mais me maravilha é perpetuar e compartilhar a história de cada lugar. É como se eu vivesse sempre num mundo encantado, onde passado e presente se misturam”, conta a entusiasta.