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Baião de dois, de dez, de milhões

O Coretfal retorna ao palco com Baião de Dois, um tributo ao centenário de Gonzagão, explorando outras linguagens artísticas, mas com o mesmo olhar apaixonado sobre os Nordestes dos Brasis.

Divulgação

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O espetáculo lítero-musical Baião de Dois – um tributo ao centenário de Luiz Gonzaga, protagonizado pelo Coretfal (Coral do Instituto Federal de Alagoas) e produzido pelo IMAM – Instituto Maria Augusta Monteiro – estreia no dia 21, a partir das 19h30, no projeto Teatro Deodoro é o maior barato.

A justa homenagem do grupo – hoje com 37 anos de atividade na música coral, reunindo várias gerações de cantores – ratifica a antiga admiração pelo Rei do Baião, já expressa no repertório de espetáculos anteriores: Canto por todos os cantos (1998), Ecos – Brasil 500 anos (2000) e Retrato Cantado do São Francisco (2008). Portanto, ao se engajar nas celebrações do centenário de Gonzagão, o Coretfal reafirma o foco na MPB e no folclore nordestino que o caracteriza na cena musical alagoana.

Baião de Dois conta com a parceria do IFAL – Instituto Federal de Alagoas e tem apoio cultural da Secretaria de Estado da Cultura, Sesi, Cooperativa dos Usineiros, Sebrae-AL, Instituto Cultural Bloco Pinto da Madrugada, Bodega do Sertão, Unicompras e IZP – Instituto Zumbi dos Palmares, sem os quais tornar-se-ia impossível produzi-lo, na forma respeitosa e cuidadosa como será apresentado ao público.

O espetáculo vem sendo gestado há quase um ano, de forma colaborativa e dialógica, envolvendo diretamente cada integrante do coro desde a pré-produção onde se insere pesquisa bibliográfica; palestras de profissionais da área de música sobre a trajetória e musicografia do homenageado; e viagem monitorada à cidade de Exu, sertão de Pernambuco, onde foram realizadas entrevistas com personagens ligados a Luiz Gonzaga e visitas a lugares emblemáticos na vida e obra desse ilustre nativo. “A partir dessas experiências enriquecedoras, o grupo constituiu a equipe de trabalho com quem elaborou o roteiro do espetáculo; definiu repertório, figurino e identidade visual; elaborou textos; e realizou leituras dramáticas das letras”, assegura Fátima Menezes, regente do Coretfal.

Baião de Dois tem direção e roteiro de René Guerra; direção musical e regência de Fátima Menezes; direção de arte, iluminação e cenografia de Eris Maximiano (Ideia Concreta Arte Design); preparação corporal e coreografia de Isabelle Rocha; figurino de Mari Jatobá; assessoria de comunicação de Gal Monteiro; maquiagem de Alex Cerqueira. A preparação vocal está sob a responsabilidade do trio Bruno Sandes, Felipe Oliveira e Jackson Ferreira; o projeto gráfico e animação são assinados por Silvano Almeida (Promarka), as ilustrações ficaram sob os cuidados de Paulo Caldas e os créditos da fotografia vão para Gian Gadotti.

Em cena, 32 cantores e os músicos Xameguinho (sanfona), Ebenézer Bernardes Correia Silva (violino), Gama Júnior (percussão e flauta transversal), Mestre Gama (pífano), Roberi Rei (percussão), Rodrigo Cardoso (violão) e Danillo Tenório (baixo), propondo, por meio do canto coral – aliado à dança, teatro, poesia, projeções, indumentárias peculiares, depoimentos e outras linguagens artísticas – evidenciar o trabalho de um artista que mostrou ao Brasil um Nordeste até então desconhecido.

O repertório inclui músicas de autoria de Luiz Gonzaga e parceiros, como Légua Tirana e Assum Preto (Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga ), além de outras que remetem a gêneros musicais e textos poéticos que marcam a presença do Nordeste no universo cultural brasileiro. Xaxados, xotes, forrós, maracatus, lundus, toadas e baiões serão apresentados na forma de canto coral, com coreografias e cenários que destacam a importância desses ritmos na formação da Música Popular Brasileira. “O gesto coreográfico é um dos pontos marcantes da montagem, corroborando a tradição artística do grupo que tem como característica, entre outras, a comunicação também através da expressão corporal”, afirma Isabelle Rocha.

Baião de dois: diversidade e singeleza

O Nordeste é região de muitas facetas que guardam em seu movimento interno, diferentes países e linguagens, mas há quem o enxergue como massa geo-política-cultural homogênea. Ledo engano: é justamente a pluralidade melódica, rítmica e harmônica das composições; a densidade da poesia, dos sabores, cheiros e texturas; o jeito singular do fazer à mão; a música dos sotaques; a multiplicidade de feições e maneiras de convivência que o distinguem enquanto cidadania marcada pela diversidade.

Há um Nordeste que se esgueira nas matas; outro entocado no sertão; mais um mergulhado no azul-turquesa do litoral e no leito de rios e lagoas que ensopam a terra e imprimem seu distintivo no modo de ser de seus viventes. Existe um Nordeste que nasce, trabalha, vive e morre no interior. E há o que se expõe na urbanidade e contracena com a novidade, transformando-a e transformando-se. É dessa liga que o Nordeste é feito.
Pois bem, no 13 de dezembro de 1912 nasceu, lá em Exu, um menino cuja sanfona e garganta forte e afiada trouxeram tudo isso à tona. 100 anos depois, o fole ainda resfolega, ainda ronca. Luiz Gonzaga do Nascimento está por aqui e por aí, mais que divulgando, traduzindo o Nordeste em todos os seus possíveis dialetos.

O espetáculo é calcado no movimento cultural dialético suscitado por Gonzagão que, tendo origem em um povoado distante dos grandes centros, findou aportando em casas de espetáculo internacionais, constituindo-se entendimento transcontinental. Todos os muros haviam sido transpostos pela singeleza e genialidade singulares de sua música com parceiros da estirpe de Humberto Teixeira e José Dantas, por exemplo. E as coisas se mantêm assim, a despeito da ausência material desses artistas; a despeito da passagem do tempo.

Na opinião de Eris Maximiano, “o título do espetáculo, Baião de Dois, remete à variedade de motivos e valores – alguns desses, presentes na obra de Gonzagão, outros, depreendidos pelos realizadores, a partir de observações e vivências nativas que agregam saberes aos sentidos primitivos”. Motivos, na verdade, não faltam para justificá-lo.

O baião – como se sabe, gênero musical, dança, reunião festiva e, posteriormente, música homônima (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira, 1946) – é também um dos pratos mais saborosos e tradicionais da culinária nordestina que reúne o feijão e o arroz, considerados complementares nos cânones da nutrição e ingredientes imprescindíveis nas mesas brasileiras. Evoca, também, o diverso e a convivência harmônica de cores opostas – o branco e o preto – e lembra que baião é dançado, preferencialmente, a dois: “se o baião é bom sozinho, que dirá baião de dois”. A música de Gonzaga e Teixeira convida para a degustação desse prato cheio de sustança, que originalmente alimentava os vaqueiros cearenses em suas empreitadas – é também um mote cheio de bem-humorada malícia, na alusão à dança que se dança agarradinho, nos bailes, forrós e feiras nordestinas.

No entanto, não se pode reduzir a obra de Gonzagão à condição de regional, como sinônimo de segmento, separação. Ela é, na verdade, uma experiência prazerosa de universalização. Portanto, Baião de Dois é uma história poético-musical que une quadrantes; que fala de encontros; ratifica a veia artística do Nordeste, exibindo a enorme influência desse sanfoneiro-mor sobre várias gerações de artistas de todo o país.

Para René Guerra, “essa identidade traz no seu destino o ´Sertão` como marca. O que não sabíamos era que existia o Sertão de dentro, aquele Sertão emocional, que nos ligava a todos, independente de ter nascido nordestino. O baião foi o ritmo mais pop que a cultura brasileira já produziu. Essa genialidade vem da imagem do ´Vaqueiro do Cangaço`, criada por Luiz Gonzaga. Baião de Dois – a partir de uma estética contemporânea que integra diferentes elementos humanos, artísticos e tecnológicos – busca encontrar o momento em que o ritmo nasceu, juntando várias características daquele que, até então, era chamado de homem nortista, transformando-o em homem Nordestino, com “N” maiúsculo.

Memórias nas ondas do rádio

A relevância do rádio na divulgação da obra de Gonzaga e parceiros, Brasil afora, é outra referência significativa, na construção de Baião de Dois. Numa época em que a comunicação telefônica era incipiente, o transporte terrestre ainda extremamente precário a internet não era sequer projeto, o rádio reinava absoluto como canal de disseminação de notícias, valores, costumes e, de modo emblemático, do trabalho de artistas a quem transformou, gradativamente, em celebridades. “Um traço de melancolia, de vazio infinito e de saudade nos conectou ao baião, que invadiu as casas, propagado pelo rádio”, diz René Guerra.

É desse tempo, a participação do jovem Luiz Gonzaga no programa Calouros em Desfile, da rádio Tupi, apresentado por Ary Barroso, onde tira nota máxima e conquista o primeiro lugar com a música "Vira e Mexe". Algum tempo depois, migra para a rádio Transmissora, onde trabalha com Zé do Norte, no programa A Hora Sertaneja.

É também esse veículo, por intermédio do então radialista Paulo Gracindo, da Rádio Nacional, que torna público o apelido “Lua”, invenção de Dino Sete Cordas por conta do rosto arredondado de Gonzaga. Outro episódio bizarro, que teve o veículo como porta-voz, foi o boato que Carlos Imperial espalhou afirmando que os Beatles teriam gravado Asa Branca. As emissoras de rádio de Pernambuco também foram bastante eficientes na divulgação do baião e de Luiz “Lua” Gonzaga.

O rádio, como motor de tantas lembranças, é também o fio condutor da característica que melhor anuncia as intenções de Baião de Dois: o entrelaçamento entre a trajetória musical de Gonzagão e as reminiscências pessoais de cada integrante do Coretal. A concepção do espetáculo está baseada em um processo onde todos os participantes construíram e externaram, para todo o grupo, memórias vivenciadas ou herdadas que tivessem alguma relação com Luiz Gonzaga, com o baião e/ou com o entorno desses ícones.
Baião de Dois é, portanto, um espetáculo de celebração da memória como elemento fundamental da encenação. “O nome sugere, já de início, alguma forma de plural, de coisas que os sentidos nem têm permissão para capturar. Escolhemos, por isso, resgatar memórias: individuais, coletivas, passadas, presentes, futuras. A cada revelação, o presente se torna passado; o futuro vem correndo saber do que se trata; e o passado fica ali, permeando nossas incursões pelo tempo/espaço, um jeito de fortalecer laços de ternura e elementos das identidades culturais desse Nordeste multiforme, multilíngue, multiamoroso. Um baião de muitos”, filosofa Fátima Menezes.

Segundo René, “essa imagem é evocada no espaço privado da encenação e nos liga a todos em uma homenagem a nossa ancestralidade”. E Gonzagão, esse jovem centenário, ratifica: “Quero ser lembrado como o sanfoneiro que amou e cantou muito seu povo, o sertão, as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes, os valentes, os covardes, o amor. Que foi honesto, criou filhos, amou a vida. Que viveu feliz por ver seu nome reconhecido por outros poetas, como Gonzaguinha, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Alceu Valença. Gostaria que lembrassem que sou filho de Januário e dona Santana”.

Em Baião de Dois, ele é lembrado exatamente assim, pela força de suas memórias que viraram poesia e música e nos legaram 627 músicas em 266 discos. E, como diz René Guerra: “no final desta jornada, nos reencontramos todos no finalzinho da tarde, papeando na cozinha com o olhar cheio de gratidão e amizade, para o cuscuz e o café da noite, ao som que vocês já sabem de quem”.

Serviço
Evento: Coretfal, no espetáculo Baião de Dois
Realização: IMAM – Instituto Maria Augusta Monteiro
Onde: Teatro Deodoro – Projeto Teatro Deodoro é o maior barato!
Quando: 21 de novembro, às 19h30
Ingressos: R$ 10,00 e R$ 5,00 – na bilheteria do teatro
Informações: Assessoria de Comunicação – 9645-1118 (Gal Monteiro) /
8809-9628 (Ludmila Monteiro)

Ficha técnica do espetáculo
Direção e roteiro: René Guerra
Direção musical e regência: Fátima Menezes
Direção de arte, iluminação e cenografia: Eris Maximiano (Ideia Concreta
Arte Design)
Preparação Corporal e Coreográfica: Isabelle Rocha
Figurino: Mari Jatobá
Comunicação: Gal Monteiro
Maquiagem: Alex Cerqueira Make Up
Produção Executiva: Felipe Pontes
Assistência de direção: Isaac Moraes, Paulo Amancio, Wagner Santos,
Rodrigo Cardoso, Valdo Regis, Elton Nascimento
Assistência musical: Victor Moura
Assistência de arte: Kleise Araújo, Cadú Moura, Márcio Lopes, Fernando
Barros
Execução da Luz: Beto Fogo
Assistência de Figurino: Leda Queiroga, Rafaella Moraes, Arlindo Cardoso
Costureiro: Eduardo Moura
Assistência de Comunicação: Ludmila Monteiro
Assistência de Maquiagem: Samara Cunha, Marcilene Glay, Gabriela
Peixoto, Carol Morais, Marcilane Glay, Nayara
Batista.
Projeto gráfico e animação: Silvano Almeida / Promarka
Ilustrações: Paulo Caldas
Som: Brebal
Projeção: Equipamentos Peixe
Fotografia: Gian Gadotti