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O São João de Anadia

"Ai que saudade que eu sinto das noites de São João".

O maior artista brasileiro no gênero da música nordestina Luiz Gonzaga ao se juntar a Zé Dantas, outro magnífico interprete dos sentimentos nordestinos, por certo escreveram uma das mais belas representações das nossas noites de São João. Senão vejamos os versos de Noites Brasileiras: “Ai que saudade que eu sinto das noites de São João, das noites tão brasileiras, na fogueira sob o luar do sertão.”

Ontem da janela da minha casa vi um filme passar em minha mente e relembrei o São João da minha terra. Para começar olhei pro final da praça; era final de tarde e estava chegando o ônibus da Santanense que trazia os artistas que abrilhantavam os festejos em Anadia. Corríamos todos para ver a chegada das atrações, os instrumentos e a tão encantadora sanfona, guardada em uma caixa preta, cujo segredo só seria desvendado mais tarde. Só tinha uma opção para desvendar a misteriosa cor e tipo da sanfona, era correr para a pousada da Maria Prudêncio ou o hotel do seu Né, pois, em um dos dois locais se hospedaria os artistas, e como sempre acontecia a afinação dos instrumentos era para nós um deleite antes de começar o baile na Arca e na Sobra.

As horas começavam a passar, a noite chegava imponente, o céu estrelado e cheio de encantamento, logo trocávamos de roupa e corríamos para a porta de casa para acender a fogueira e ver o espetáculo das mesmas acesas. Lembro-me que a terra que tanto amo mais parecia um grande fogaréu, se olhássemos para o final do Sertãozinho ou para a Rua do Hospital, como também pro Alagadiço ou até mesmo para a rua da igreja de Nossa Senhora da Piedade estava à noite iluminada com o clarão que vinha das fogueiras de São João, dando um formato de cruz à nossa topografia.

As delícias como milho assado, pamonhas, canjicas, bolo de milho, pé de moleque, cuscuz de milho ralado com côco, milho cozido, já estavam postas à mesa. Como em uma maratona, era comer e correr para a rua e começar a soltar fogos, traques, estalo bebê, chuvinha, coqueirinho, estrelinhas, bombas, diabinho, foguetes, mijão e o temível busca-pé.

A alegria começava a se espalhar pelas nossas ruas, já estava pronto o palco para os mais velhos começarem a “guerra” dos mijões e busca-pé. A Praça Campelo de Almeida era o foco principal, mas esta brincadeira se estendia pela cidade inteira para o delírio coletivo.

Antes de começar o baile, tenho ainda em minha mente como se fosse uma foto as salas das casas onde as pessoas bebiam e comiam as típicas iguarias das festas juninas e não posso esquecer-me das galinhas de capoeira, perus, buchadas, e as azeitonas, salsichas e queijos enfiados em palitos, todas juntas enfeitados uma bandeja.

O barulho que se ouvia era da alegria das pessoas, das brincadeiras da época e os segredos a serem desvendados após enfiar a faca no tronco da bananeira! Quantas vezes tentei adivinhar o nome de quem seria a minha parceira na quadrilha de São João, ensaiando como deveria roubar um ingênuo beijo. Eita saudade! Lá vem o estrondo da bomba a acelerar as batidas dos nossos corações.

Ouve-se o som das sanfonas de pessoas simples do nosso dia a dia, vindo dos quatro cantos da cidade; das Três Pontes, o fole do Zé Estevão; das Duas Estradas a sanfona choradeira do João das Ovelhas; lá do Tabuleiro, o forró pé de serra da concertina do Zé Preá; da Chã do Brejo, o Rui e o Zé do Peba tocando o fole até de manhã; e do Pipiripau, o Louro com sua sanfona afinada. E lá das bandas do Jerimum, o mais jovem e músico de mão cheia, o Chililique.

Antes de o baile começar, não deveria perder ou deixar de fazer uma visita aos bares de Anadia, um espetáculo à parte. Como esquecer a Toca do Zeca, Bar do Sete, Chico Preto, Tio Miguel, Bastiana, Marinheiro, com água na boca vocês vão ficar: galinha assada, bode guisado, rim na brasa, costela de porco assado, mocotó de boi, rabada, charque, fava, feijão verde, pirão bordado, farinha, cebola, tomate e pimenta…

Não se consegue fazer festa sem o povo! A população cúmplice desse momento enchia nossas ruas dando um colorido especial com as roupas, as fantasias de matuto, às vezes desnecessárias, pois já éramos bem caracterizados e felizes. Dos nomes que vou citar servem apenas para sinalizar aos mais jovens, que lá do firmamento eles estão a nos cobrar a repetição de seus feitos, pois pra ser São João tinha que ter: Ramiro Gato, Delson, Ednor, Gerson, Adelmo Bento, Roderique, Zé Farias, Zé da Marina, Zé Torres, Sebastião Chagas, Eurico, Paulo Rodrigues, Darci, Joaci, Antônio Fidélis, Antero Almeida, Elói Julião, Cajaíba, João Doça, Generino, Luiz Lucas, Afrânio Porto, Zeca Barros, Zé da Quininha, Zé Cavalcante, Antônio Preto, Hermes, Túlio, Josias, Lucas, Ápio, Cordélio Maranhão, João Teixeira, Anacleto Teixeira, João Sapucaia, Manu Pinto, Nininho e Zé Moura. Creio que a constelação esteja bem representada.

O baile já vai começar! Um capítulo à parte. Na Sobra, o salão cheinho de gente, animação contagiante e o forró levantando o poeirão, o suor correndo na testa e o chiado do chinelo a se escutar. Na Arca, a festa ganha ares de teatro, roupas e fantasias a desfilar abrilhantando a noite do São João, o salão lotado, eu ainda menino abismado a escutar o famoso Antônio do Baião a cantar uma canção predileta que diz: “Olha pro Céu meu amor, vê como ele está lindo, olha praquele balão multicor, como no céu vai subindo”. Mais adiante a música revela o estágio de absoluto transe que vivíamos: “O céu estava, assim em festa, pois era noite de São João, havia balões no ar, xote, baião no salão, e no terreiro, o teu olhar que incendiou, meu coração.” Uma espontânea lágrima desce no meu rosto, como querendo mostrar o verdadeiro sentido do São João.

Agora eu entendo como o Luiz e o Zé retrataram em sublimes versos o que outros com os mesmos nomes ou diferentes, mas que abaixo do mesmo céu gostariam de dizer e reviver cantando: “Meninos brincando de roda, velhos soltando balão, moços em volta à fogueira brincando com o coração, eita, São João dos meus sonhos, eita, saudoso São João.”

Desculpem-me, mas o celular esta tocando. É minha sobrinha Isadora me dizendo que o São João de Caruaru é a festa dos meus sonhos.

(*) Ex-secretário de Estado

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