É a velha lição de calçar as sandálias da humildade para não acabar descalço.
Muito já se falou e discutiu sobre o fim da CPMF. Demonizado por setores da economia e da sociedade, que reclamam da carga tributária elevada, e reverenciado pelos últimos governos como eficiente instrumento de arrecadação e fiscalização, a contribuição, ou imposto, proporcionou a volta do debate sobre a necessidade de mudanças no sistema tributário nacional.
Criada em 1993 para corrigir a falta de verbas para saúde, a CPMF ia se eternizando – como um tributo à voracidade fiscal de um Estado que não aprendeu a se conter dentro da realidade. A lição do Senado, nesse aspecto, foi oportuna e cumpre ser aproveitada, em nome do bom senso político.
É natural que, num primeiro momento, as discussões sejam sobre medidas paliativas, que compensem a perda de arrecadação de R$ 40 bilhões para este ano que começa. Porém, fica claro que a decisão do Senado não é o fim do mundo e que o governo, se quiser, tem muitas alternativas para compensar a falta da contribuição. Uma delas é definir melhor as prioridades.
Mas especialistas acreditam que o governo pode compensar parte das perdas aumentando outros impostos, o que confrontaria a vontade do Parlamento, que quase sempre reage com cautela à elevação da carga tributária. O restante teria de ser contrabalançado por cortes de gastos e, possivelmente, com a redução da economia feita para o pagamento de juros, o que também não deixa de ser um terreno perigoso, já que a macroeconomia vai bem há anos.
No primeiro caso, perde apoio dos governadores, de boa parte da base parlamentar e atinge a população de menor renda. No último, compromete o equilíbrio fiscal. Para ajustar o Orçamento, o governo terá de encaminhar uma emenda à proposta que já tramita no Congresso. Como o país virou o ano sem a lei orçamentária aprovada, os investimentos ficam suspensos e os gastos mensais com custeio são limitados a um doze avos do previsto no projeto de lei.
Na verdade, o que deveria ter sido feito desde 2003 – quando o Senado aprovou e enviou à Câmara uma proposta consistente neste sentido — é uma reforma tributária de verdade, que corrigisse as muitas distorções, melhorasse o ambiente econômico e inclusive permitisse ao governo programar melhor sua receita. A carga, entretanto, só vem aumentando, assim como as despesas públicas, e com isso os custos políticos. Basta ver, no ibope divulgado em dezembro passado, que a área de menor aprovação do governo Lula é a dos impostos (69% de desaprovação).
Parece lógico que qualquer mudança na área fiscal deveria começar pela substituição do ICMS (estadual) e do ISS (municipal), por um Imposto sobre Valor Agregado, IVA (regional). Os quatro impostos federais indiretos IPI, COFINS, CIDE dos Combustíveis e o PIS deveriam ser substituídos por um IVA federal. O debate entre estados produtores e consumidores ficaria sobre se a cobrança do IVA deve ser feita no destino, o que beneficiaria estados mais pobres como os do Nordeste, ou na origem, que seria melhor para os mais ricos, como São Paulo.
Mas isso é apenas um ponto de partida de um amplo debate sobre uma reforma nos impostos que deveria envolver o Parlamento desde o princípio, para facilitar a aprovação das mudanças. De resto, é fazer o dever de casa: tratar com mais atenção a base aliada e com respeito à oposição, cumprindo os acordos firmados. É a velha lição de calçar as sandálias da humildade para não acabar descalço.