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Conheça as drogas que podem estar na cozinha

Sálvia seria a “nova maconha”.

O burburinho começou na imprensa gringa e logo veio parar no Brasil: a inocente sálvia, que tempera pratos de macarrão desde que o mundo é mundo, seria a “nova maconha”. Inspirando-se no uso tradicional da planta entre tribos do México, jovens americanos estão fumando ou mascando a erva em busca de uma suposta sensação de paz, conexão espiritual e produção descontrolada de gargalhadas. Com as notícias a respeito, surgiram propostas para proibir a comercialização da planta nos Estados Unidos.

Calma: nada disso é motivo para abolir a comida italiana do cardápio. A sálvia de que estamos falando tem o nome científico Salvia divinorum e é apenas uma prima da Salvia officinalis, essa sim encontrada em qualquer cantina. O que não quer dizer que vegetais normalmente usados como comida não tenham propriedades um tanto esquisitas, digamos. Por sorte, é muito difícil ficar doidão simplesmente ingerindo esses alimentos, embora formas mais específicas de uso possam equivaler aos efeitos de drogas mais “tradicionais”.

Imitando os elefantes?

Uma coisa é certa: culturas do mundo todo sempre ficaram de olho em alimentos que, além do efeito costumeiro, tivessem o desejado bônus de “dar barato” em quem os consome. “A produção das bebidas alcoólicas fermentadas ou destiladas em vários locais do mundo é um exemplo disso”, afirma Fúlvio Rieli Mendes, pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

De fato, tanto o milho das Américas quanto a cevada do Mediterrâneo e o arroz da China foram destinados a esse uso de forma independente – os “inventores” de cada bebida não tinham a menor idéia de que pessoas em outras partes do mundo estavam fazendo a mesma coisa. “O ser humano é curioso por natureza em relação a essas substâncias”, diz Mendes.

Aliás, há quem sugira que essa curiosidade nem começou com o homem. Outros animais têm o mesmo tipo de interesse em substâncias psicoativas, ou seja, que estimulam diretamente o sistema nervoso. De acordo com alguns relatos, os elefantes africanos esperam que os frutos da marula (árvore africana que inspirou o licor de nome parecido) fiquem muito maduros antes de consumi-los. Assim, dá tempo para que os frutos fermentem e produzam álcool, levando os paquidermes a agir exatamente como humanos bêbados. Pesquisas recentes lançaram dúvidas sobre essa história – os frutos seriam pequenos demais para fazer efeito no corpanzil dos elefantes –, mas o conceito faz sentido.

Casca mágica

Ao contrário dos elefantes, nunca se ouviu falar de um macaco que ficasse bêbado de tanto comer banana, mas a fruta esconde alguns segredinhos. “Ela é rica em triptofano, substância que é precursora da serotonina [um dos neurotransmissores, ou mensageiros químicos, do cérebro]”, conta Fúlvio Mendes. Remédios contra a depressão ou drogas “recreativas”, como o famigerado LSD, agem justamente sobre os sistemas afetados pela serotonina no nosso cérebro.

O problema (bom, ao menos para quem está atrás de emoções mais fortes) é que tanto o intestino quanto o fígado estão equipados com substâncias especialmente projetadas para evitar que a banana faça sua mágica com o cérebro. “É por isso que, segundo relatos, algumas pessoas costumam fumar a casca da banana, ou aqueles fiapos que ficam grudados na parte interna da casca, para conseguir o chamado barato”, diz o pesquisador da Unifesp. Desse jeito, as substâncias vão parar diretamente na corrente sangüínea do fumante de banana, aumentando as chances de afetar seu cérebro.

Voltando aos condimentos, a noz-moscada foi bastante popular durante os anos 1960 e 1970. Nesse caso, era possível ingeri-la diretamente, ou então usá-la num chá, lembra Mendes. Os princípios psicoativos da noz-moscada agem justamente inibindo as substâncias que degradam os neurotransmissores, de forma que o resultado é um excesso deles atuando sobre os neurônios. Na prática, a pessoa experimenta distorções na visão e uma sensação de euforia. “O uso, no entanto, acabou decaindo, por causa das altas doses necessárias para obter a sensação prazerosa e dos efeitos colaterais desagradáveis, como boca seca”, afirma o cientista.

Opióide no pãozinho

O uso culinário das sementes de papoula, planta que é usada como matéria-prima do ópio, deu um bocado de dor de cabeça ao fisiologista Turíbio Leite de Barros, também da Unifesp e do São Paulo Futebol Clube. Numa viagem do time paulistano à Argentina, o fisiologista descobriu que os pãezinhos servidos no hotel onde a equipe se hospedara estavam repletos das sementes.

“O exame antidoping só marca positivo ou negativo – não tem essa de pequenas doses desprezíveis. Por isso, fiquei com medo que a papoula acabasse aparecendo como doping na urina dos jogadores”, conta Barros. Tudo indica que o hotel argentino montou o cardápio de boa fé, e não a pedido da equipe que ia receber o São Paulo. De qualquer maneira, o fisiologista conseguiu trocar os pãezinhos a tempo.

As “drogas culinárias” podem render histórias divertidas, mas vale sempre o velho conselho: não tente fazer isso em casa. Se estiver interessado num alimento psicoativo, coma chocolate – que, segundo os neurocientistas, favorece a produção de inúmeros neurotransmissores ligados a sensações prazerosas.