Convênio irregular foi base para alguns dos crimes.
O Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL) ofereceu denúncia contra cinco pessoas por irregularidades na gestão do Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas (Cefet) durante o ano de 2004. Mário César Jucá, Maria Eliana Gomes, Maria de Fátima da Costa Lippo Acioli, Josélio Monteiro de Melo e Luiz Carlos Garcia Júnior são acusados de diversos crimes, entre eles, concussão (exigir vantagem indevida), peculato (desvio de recursos), fraude à licitação e formação de quadrilha.
A principal irregularidade apontada pelo procurador da República Paulo Roberto Olegário de Sousa na ação penal diz respeito a convênios firmados pelo Cefet com a Fundação Alagoana de Amparo à Pesquisa e Cultura (Fapec) – uma fundação privada criada em 1996 por funcionários do Cefet, entre eles os denunciados Mário César Jucá (ex-diretor-geral), Maria Eliana Gomes (ex-diretora de Administração e Planejamento) e Maria de Fátima Lippo Acioli (ex-diretora de Ensino).
Segundo a denúncia, o estatuto da fundação previa que seu conselho superior seria sempre exercido pelo diretor-geral do Cefet e a vice-presidência, pelo respectivo vice-presidente da autarquia federal. "A confusão de identidade entre as duas instituições é inequívoca e os réus, que por vezes representavam o Cefet e por vezes representavam a Fapec, fazem parte de um esquema criminoso organizado com o intuito de, valendo-se da condição de funcionários públicos, obter vantagens indevidas por meio de desvio de recursos públicos e exigência ilegal do pagamento de taxas de matrícula e mensalidades", observa o procurador da República.
O convênio de cooperação técnico-científica pedagógica e cultural entre as duas entidades foi firmado em 1998 e previa a implementação de cursos por parte da Fapec, sem que esta tivesse qualquer autorização do Ministério da Educação para fazê-lo. Termos aditivos ao convênio foram assinados posteriormente, prevendo o oferecimento de cursos profissionalizantes tecnológicos à comunidade em geral, com cobrança de mensalidade e administração de recursos pela Fapec.
Ao analisar o convênio, a Controladoria Geral da União (CGU) apontou diversas ilegalidades, entre elas, a afronta ao princípio constitucional da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; a certificação pelo Cefet e cursos ofertados por terceiros; a utilização pela Fapec de imóvel pertencente ao Cefet e a utilização, sem ônus, pela Fapec, da infra-estrutura, recursos materiais e humanos do Cefet. Outra ilegalidade apontada foi a contratação de pessoal administrativo e docentes para atender serviços ou necessidade de caráter permanente sem concurso público.
A CGU também apontou que 35 professores contratados com vínculo de exclusividade pelo Cefet desempenharam atividades letivas paralelas, ministrando regularmente aulas a alunos da Fapec, e ainda sendo pagos por esses serviços paralelos. Para tentar burlar a legislação que exige exclusividade, o Cefet atestava a "doação de serviços" pelos professores. Para o MPF/AL, os pagamentos efetuados pelo Cefet aos professores que ministravam aulas regularmente na Fapec configuram desvio de dinheiro público já que tais numerários destinavam-se a serviços que deveriam ser prestados com exclusividade ao Cefet.
A CGU também detectou vários casos de irregularidades em processos de aquisição de bens ou serviços com dispensa e inexigibilidade de licitação. No ano de 2004 o Cefet desembolsou R$ 4.218.902,38 com suprimentos de bens e serviços. Desse total, 56% foi gasto com processos de dispensa de licitação e 8% em processo de inexigibilidade de licitação.
"O argumento apresentado pelo Cefet para quase a totalidade das dispensas de licitação foi que a despesa estaria abaixo do limite de R$ 8 mil, previso na Lei de Licitações. Só que ficou evidenciado que esta prática foi atingida graças a uma proposital série de fracionamentos de despesas", observa o procurador da República Paulo Olegário.
Em um dos casos, o Cefet fez quatro processos de dispensa de licitação – nos valores de R$ 7.800,00; R$ 7.900,00 e dois de R$ 7.850,00 – para contratação de ônibus para transportar alunos e professores que participariam de jogos na cidade de Belém (PA).
Segundo a investigação feita pela CGU, não foram contratados quatro ônibus, mas apenas dois, por R$ 31.400,00, o que impediria a dispensa da licitação. Além disso, no ano de 2004, foram realizados 12 processos para locação de ônibus, totalizando R$ 86.640,00, o que recomendaria uma licitação na modalidade tomada de preços. Há ainda, em processo para manutenção de gabinetes odontológicos, fornecimento de água mineral e gás de cozinha e locação de impressora laser e compra de fardamento esportivo, casos de fracionamento, estimativa a menor, realização de despesas sem prévio empenho e até propostas de três empresas "concorrentes" enviadas através do mesmo fax, no mesmo horário e em seqüência de páginas.
Também foi detectado o pagamento de diárias e passagens c om destino a Salvador (BA) para Mário César Jucá e Maria de Fátima Lippo Acioli, para atendimento de interesses particulares. Segundo o relatório da CGU, os dois servidores estavam realizando curso de Doutorado em Educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA) desde do ano de 2003, quando foram aprovados na seleção e conseguiram afastamento para capacitação com ônus para o Cefet.
De acordo com os processos de concessão de diárias, durante a realização do doutorado várias viagens pagas pelo Cefet para os dois servidores tinham como objetivo a participação dos servidores em reuniões, palestras e em pesquisas relacionadas ao Departamento de Doutorado em Educação da UFBA, a convite da professora Vera Fártes, muitas vezes sem convocação oficial e sim por meio telefônico. Além disso, diárias e passagens concedidas aos dois servidores, na maioria das vezes, apresentavam a finalidade, período e percurso idênticos.
Os dois servidores também obtiveram autorização do Ministério da Educação para afastamento do país, com diárias pagas pelo Cefet para participação no VIII Congresso Luso Afro-Brasileiro de Ciências Sociais promovido pela Universidade de Coimbra-Portugal em setembro de 2004. Mário César Jucá recebeu a título de diárias o valor de R$ 7.278,08 e Maria de Fátima da Lippo Acioli, R$ 7.058,33. Entretanto, segundo a denúncia do MPF/AL, a participação dos servidores no congresso tinha como real motivo a apresentação de trabalhos relacionados ao curso de doutorado em Educação da UFBA, o que evidenciou o interesse pessoal na participação no Congresso.
Mário César Jucá e o então gerente jurídico do Cefet, Josélio Monteiro de Melo, foram acusados ainda de ordenar o pagamento, acima do valor estabelecido, de incorporações de quintos e décimos de função a 24 servidores comissionados. Os denunciados Mário Jucá e Josélio Monteiro estavam entre os beneficiários da medida.
Por alguns dos fatos narrados na denúncia, em 2006, o próprio Cefet ajuizou contra os denunciados uma ação de improbidade administrativa que tramita na 2ª Vara Federal.
Na denúncia, o MPF/AL pediu a condenação de Mário César Jucá por onze vezes pelo crime previsto no artigo 316 do Código Penal (concussão – exigir vantagem indevida); por 72 vezes pelo crime previsto no artigo 89 da Lei nº 8.666/93 (dispensa ilegal de licitação); por 66 vezes pelo crime previsto no artigo 312, do Código Penal (peculato – desvio de recursos em proveito próprio) e pelo artigo 288 do Código Penal (formação de quadrilha).
Maria Eliane Gomes foi denunciada 11 vezes no artigo 316 do Código Penal; 68 vezes no artigo 89 da Lei nº 8.666/93 e por formação de quadrilha. Maria de Fátima da Costa Lippo Acioli, por 11 vezes no artigo 316 do Código Penal; 7 vezes no artigo 312, caput, do Código Penal e formação de quadrilha.
Josélio Monteiro de Melo foi denunciado por 11 vezes no artigo 316 do Código Penal; 24 vezes no artigo 312, caput, do Código Penal e formação de quadrilha e Luiz Carlos Garcia Júnior – que ocupou a função de superintendente da Fapec -, por onde vezes no artigo 316 do Código Penal e formação de quadrilha.
Em relação a todos os réus foi pedida a perda do cargo público dos denunciados, conforme o disposto no art. 92, inciso I, "a", do Código Penal.
A ação nº 2008.80.00.002525-6 foi distribuída para a 2ª Vara Federal.