Categorias: Notícias

Sem embargos de idéias

Dois anos depois do polêmico discurso de posse como desembargador do TJ-AL, onde fez duras críticas aos colegas magistrados, Antônio Sapucaia concede entrevista sobre o episódio.

Observatório Alagoano

Para Antônio Sapacaia, "Aqui em Alagoas, a liberdade do jornalista termina onde começa o poder do proprietário do jornal"

Novembro de 2003. O nome Antônio Sapucaia ganha notoriedade em todo o Estado de Alagoas e no restante do país. Em seu discurso de posse como desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, ele faz duras críticas aos colegas magistrados, a quem (palavras suas) tinha "receio de chamá-los de amigos". De forma sempre contundente, acusa juízes de envolvimento com a política local, de corporativismo e improbidade administrativa.

Pôs em dúvida a credibilidade do Poder Juridiciário e expôs mazelas das quais muitos alagoanos já sabiam ou suspeitavam. Casos como sindicâncias movidas contra juízes ", mas que, quase sempre, terminam na placidez dos arquivos, sem punição, gastando-se tempo e papel". Ou caso de comarca em que "o juiz não sabia distinguir um despacho judicial de um despacho de macumba".

Após isso, vários meios de comunicação tentaram entrevistá-lo (entre eles a revista Época). Contudo, só agora, quase dois anos depois, Sapucaia concordou em falar sobre o episódio.

O senhor ganhou notoriedade após a polêmica causada por seu discurso de posse como desembargador em 2003. Quais as conseqüências advindas desse ato?

Embora meu discurso tenha alcançado alguma repercussão, as conseqüências não modificaram o meu modo de agir, quer profissional, quer pessoalmente. A única surpresa foi a instauração de uma sindicância contra mim em razão das poucas verdades que afirmei.

Naquela ocasião, o senhor fez acusações e críticas contra o poder judiciário. Alguma denúncia foi apurada?

Algumas denúncias que fiz simplesmente foram comprovadas, haja vista que a publicação das diárias passou a ser feita após o discurso; o pagamento das diferenças vencimentais realmente vinha sendo feito de forma irregular, consoante foi divulgado recentemente através de um semanário local; a ascensão ao cargo de desembargador continua sendo feita na conformidade que afirmei.

E hoje, como estão as coisas? Algo mudou?

Acho que o Tribunal gradativamente vai melhorando, não em razão da minha presença, mas por força de uma nova mentalidade que se está formando ali.

A política ainda permanece com influência no Tribunal de Justiça? De onde vem essa influência?

É possível que, em alguns casos isolados, possa haver interferência polílico-partidária. Entretanto, o TJ tem procurado manter a aparente harmonia que deve haver entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Por falar em Legislativo, o que o senhor pensa da Assembléia Legislativa de Alagoas?

Sobre a Assembléia Legislativa, as suas mazelas são bastante conhecidas, principalmente através da imprensa, do mesmo modo que são as do Tribunal de Contas e do próprio Judiciário.

Ainda com relação a seu discurso de posse. O senhor defendeu a exigência de “exames psiquiátricos” e de “cleptomania” para ingresso na magistratura. Quantos dos atuais magistrados o senhor acredita que passariam no teste?

Quanto aos exames “psiquiátricos” e de “cleptomania”, sem dúvida alguma haveria hoje alguma reprovação, sobretudo com relação ao segundo item. Contudo, aos poucos o TJ vai procurando sanar essas excrecências.

O senhor já trabalhou como jornalista. Como vê a imprensa em nosso Estado? Em espcial o fato de os meios de comunicação estarem nas mãos de políticos ou atrelados a eles através de testas-de-ferro?

A imprensa obviamente evoluiu em relação ao tempo em que nela atuei. Mas, aqui em Alagoas, os métodos são praticamente os mesmos, onde a liberdade do jornalista termina onde começa o poder do proprietário do jornal, da televisão ou da rádio. Recentemente mandei um artigo para certo jornal local e o mesmo foi censurado porque eu me referia a uma autoridade judiciária que, provavelmente, deve ser útil ao matutino, ou talvez os interesses sejam recíprocos.

O que o senhor pensa da Operação Gabiru?

Se não houve nenhuma injustiça, do que só teremos conhecimento após a conclusão dos processos, da minha parte só merece elogios, salvo quanto ao uso de algemas e coisas que tais.

Por que operações como essa não são freqüentes em nosso Estado?

Por desinteresse e omissão das autoridades de modo geral, que ficam aguardando que as circunstâncias exijam tomada de posições semelhantes.

Será que o Ministério Público tem cumprido bem o seu papel de defesa da ordem jurídica? A indicação do procurador-geral pelo governador não prejudica a autonomia do MPE?

Com relação à escolha do Procurador-Geral, a mesma foi feita com determina a lei, sendo o mesmo critério adotado pelo Tribunal de Justiça. A lista tríplice oferece ensanchas ao governador ou ao presidente do Tribunal, se for o caso, de escolher qualquer dos três indicados, mesmo que tenha sido o menos votado. De modo diferente, a lista tríplice seria absolutamente desnecessária.

Mas, afinal, o Tribunal de Justiça é um órgão plenamente confiável?

Os poderes políticos e econômicos sempre existiram e acho difícil a sua extirpação, a curto ou a médio prazo. Em algumas comarcas, por exemplo, há juízes que têm os aluguéis de suas casas pagos pelas prefeituras. Alguns acham pouco e ainda recorrem ao pagamento das refeições, o que não deixa de ser uma desonestidade. Qual é a autoridade moral de um juiz de Direito ou de um promotor de Justiça, frente ao alcaide, diante dessas regalias? O enfraquecimento da autoridade moral do juiz, do promotor, do delegado de polícia, desvirtua enormemente a função de cada um em prejuízo da sociedade.

Recentes