A cidade de Nagasaki inaugurou, esta semana, uma capela onde se venera um busto de madeira da Virgem Maria, parcialmente destruído há 60 anos no bombardeio atômico, e que agora se transformou em símbolo da paz e da luta antinuclear.
NAGASAKI (JAPÃO)- A cidade de Nagasaki inaugurou, esta semana, uma capela onde se venera um busto de madeira da Virgem Maria, parcialmente destruído há 60 anos no bombardeio atômico, e que agora se transformou em símbolo da paz e da luta antinuclear. Esta semana se celebrou o sexagésimo aniversário do lançamento da bomba atômica que devastou a cidade de Nagasaki, no sudoeste do Japão. O bombardeio ocorreu apenas três dias depois do ataque nuclear que reduziu a cinzas a cidade de Hiroshima.
Cerca de 74 mil pessoas morreram no momento do ataque, e outras 63 mil o fariam ao longo dos anos seguintes, em conseqüência das radiações e feridas provenientes da hecatombe.
Várias cerimônias foram realizadas simultaneamente ao redor da cidade nesta terça-feira. Uma grande celebração religiosa ocorreu na catedral de Urakami, com a inauguração da pequena capela, transformada em centro de peregrinação para o movimento pacifista e antinuclear mundial.
A catedral original, construída em 1914 e conhecida até então como o maior templo cristão do Extremo Oriente, estava a cerca de 500 metros de distância do local da explosão, e por isso foi completamente destruída. Cerca de 8.500 de seus paroquianos (70% do total) morreram no ataque nuclear, entre eles 30 que se encontravam no templo no momento da explosão.
Dentro da catedral havia uma imagem em madeira da Virgem Maria, de origem italiana, feita ao modelo da Imaculada Conceição de Murillo, que tinha sido dada à igreja de Nagasaki em 1920. Com a explosão, a estátua teve grande parte de sua superfície queimada.
Meses depois, Kaemon Noguchi, um monge do monastério trapense de Hakodate, na ilha de Hokkaido, buscava restos de objetos religiosos entre as cinzas da catedral quando encontrou o busto da estátua, única parte que não havia sido consumida pelo fogo.
Noguchi levou o busto a Hokkaido, mas, em 1975, quando soube que pessoas de Nagasaki procuravam relíquias para a nova catedral que estava sendo construída no lugar da anterior, resolveu devolver a imagem, que já era popularmente conhecida como a "Virgem Bombardeada". Quando foi achado, o busto da Virgem estava danificado, com os olhos vazios, as bochechas e os cabelos carbonizados, e uma rachadura no lado esquerdo do rosto que, segundo os crentes, dava a impressão de ser um rastro de lágrimas.
”Maria Bombardeada foi achada em circunstâncias insólitas, com a catedral reduzida a cinzas, o que já é suficiente para se pensar em um milagre. Sua aparência de dor parece mostrar que a Virgem carrega consigo o sofrimento das vítimas”, disse o sacerdote Isamu Hiranu.
Nagasaki foi o berço do cristianismo no Japão e também o palco de ferozes perseguições religiosas orquestradas pelo governo, sobretudo entre os séculos XVII e XIX, quando essa religião foi proibida no país.
”Muitos remanescentes do bombardeio atômico pensam que a tragédia ocorreu por vontade de Deus e que as vidas de suas vítimas foram entregues para impedir que houvesse mais sacrifícios.”, afirmou Hiranu.
Segundo o sacerdote de Urakami, é preciso entender os que pensam desta maneira, pois ”se for assim, as mortes de seus entes queridos ficariam desprovidas de qualquer sentido”.
Coincidindo com o sexagésimo aniversário do bombardeio, a capela da Virgem de Urakami foi reconstruída mediante fotografias e lembranças dos sobreviventes, mas em escala menor do que a original. Também foram colocadas tábuas de madeira nas paredes, nas quais aparecem gravados os nomes das vítimas do ataque nuclear.
Segundo Hiranu, a partir de agora, ”a capela será um lugar para se rezar pela paz mundial e pelo repouso das vítimas”.
A idéia de escolher o busto como um emblema da paz e da necessidade de eliminar todas as armas nucleares do planeta teve origem em um movimento que pretende registrar a ”Maria Bombardeada” como patrimônio mundial na Unesco.
”Este busto é um símbolo que transmite ao mundo a importância da fé e a necessidade de paz no mundo, mas também mostra todo o horror causado pela bomba atômica”, afirmou o sacerdote.
EFE