Categorias: Meio Ambiente

Mudanças climáticas causam poluição "fantasma"

As mudanças climáticas globais estão trazendo um novo problema para nível regional: a "poluição fantasma", causada por poluentes que pareciam estar mortos e enterrados no ambiente, mas que voltam a assombrar.

Manguezais são afetados por poluição fantasma

As mudanças climáticas globais estão trazendo um novo problema para nível regional: a "poluição fantasma", causada por poluentes que pareciam estar mortos e enterrados no ambiente, mas que voltam a assombrar.

É o caso de metais pesados que ficavam estáveis em sistemas naturais e que, com mudanças na temperatura, nos ventos e na chuva, voltam a contaminar o ambiente, o homem ou seu alimento.

"Os sistemas naturais conseguem reter parte dos contaminantes, mas com o estresse ambiental a resistência diminui", disse o biólogo Luiz Drude de Lacerda, da Universidade Federal do Ceará (UFC), na 57ª reunião anual da SBPC (Associação Brasileira para o Progresso da Ciência).

"As mudanças climáticas vão remobilizar os poluentes", afirma o pesquisador da UFC. "É a ressuscitação da contaminação."

O mercúrio na Amazônia é um bom exemplo do problema. Durante cerca de 30 anos garimpeiros poluíram a região com o metal, usado na extração do ouro. A poluição foi interrompida, mas agora volta de outra maneira –e já está afetando o ser humano.

Primeiro, o mercúrio contaminava o ar, devido à queima do amálgama pelos garimpeiros. O mercúrio tinha ficado depois em grande parte no solo. Ainda depois foi aos rios, passou aos peixes, e dos peixes foi ao ser humano. Para chegar a seres vivos, o elemento químico tinha que ser oxidado, fazendo parte de compostos químicos. Oxidado, o mercúrio se torna solúvel em água.

É o chamado "efeito gafanhoto" –a poluição progride em saltos. "Hoje, no ar, o índice é até mil vezes menor do que em 1985", diz Drude. Já no organismo de pessoas de comunidades ribeirinhas o mercúrio atingiu níveis tóxicos.

Em pessoas não-contaminadas, é possível detectar seis partes por milhão (ppm) de mercúrio nos fios de cabelo. Um índice de 50 ppm indica toxicidade. Em algumas comunidades de ribeirinhos, ao longo do rio Madeira, o índice chegou a 150 ppm. "Achamos um foco até no rio Negro, em região onde não havia garimpo."

E não é só o mercúrio dos garimpeiros brasileiros. O problema segue nos países vizinhos, e novas levas de mercúrio continuam chegando de garimpos em países como Venezuela e Colômbia.

A concentração mais espetacular ocorreu no período colonial. Os espanhóis trouxeram, de 1540 a 1820, 196 mil toneladas de mercúrio para a América Latina, cem vezes mais que o garimpo atual.

Com a mudança climática, parte desse mercúrio pode ressuscitar do solo e voltar a assombrar.

,h2> Mangues

Outro exemplo de contaminação "enterrada" que voltou a lançar fantasmas é o caso dos mangues, que vêm sendo destruídos sistematicamente no litoral brasileiro. Os mangues são "cemitérios de contaminantes", diz Drude.

A lama dos mangues é "anóxica", não tem oxigênio, tanto que criar mangues é uma forma de tratar um aterro sanitário –metais pesados ficam presos neles. Mas, com a erosão ou destruição do mangue, o oxigênio entra em contato com os metais, "ressuscitando" os poluentes.

Aquecimento no Brasil

As mudanças globais poderão ter forte impacto no Brasil, segundo projeções feita por modelos de previsão climática como o do Centro Hadley, do Reino Unido, citados na mesma conferência pelo pesquisador José Domingos Gonzalez Miguez, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Miguez é o secretário-executivo da comissão interministerial sobre mudanças globais.

Um dos cenários mostra um aumento de 5 a 6 graus na temperatura média da região amazônica, mais chuva no Sul e menos chuva no Nordeste do país em 2050.

Para reduzir o impacto do aquecimento global, o chamado Protocolo de Kyoto, de 1997, estabeleceu metas de redução de emissões de gases-estufa para vários países, mas não para o Brasil.

Ontem, em outra palestra na SBPC, o secretário-geral do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), falou sobre a proposta encaminhada pelo fórum à Presidência da República para que o Brasil crie metas de redução do desmatamento para reduzir as emissões de gases-estufa. Inventário apresentado no ano passado revelou que 77% das emissões brasileiras se devem a queimadas.