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A maldição de Zumbi

Não quero ser nenhum cassandrista, nem mesmo sou umbandista, mas, talvez através da fúria de Zumbi possamos compreender um pouco da alma alagoana, com sua violência, escândalos e indiferenças, e ao mesmo tempo afetuosa e amorosa, nos dizeres de Guedes de Miranda.

Enquanto subíamos a Serra da Barriga naquela manhã quente de novembro, íamos ansiosos em vê o que estava acontecendo lá em cima nas festividades do dia da consciência negra.

Fui convidado para tal evento pelo pessoal do movimento negro ligado a fundação Zumbi dos Palmares. Eles realizam esta festa já há 20 anos no dia 20 de novembro, e o que eu conto agora já se passaram há cinco anos.

Lembrei destes fatos ocasionalmente neste mês de agosto, o chamado mês da maldição pelos adeptos das religiões afro-brasileiras. Eu já tive oportunidade de acompanhar os grupos afros até o pico da serra pelo menos umas três vezes representando a nossa Associação Alagoana de Imprensa.

Um ano sempre é diferente do outro, mas, a presença alegre da cultura negra é a mesma. Pensando bem, nem sei se existe mais negro no Brasil; quando falo assim refiro-me ao descendente do africano, aquele de sangue puro, porque a cor da negritude brasileira está mais para o chocolate do que para o café; isso devido à miscigenação.

Pude observar no meio da multidão que, um ou outro indivíduo entre tantos, mantém ainda as características genuinamente africanas. Podemos afirmar que hoje em dia a raça negra praticamente desapareceu, porque toda esta mistura de raças existentes na formação do nosso povo descaracterizou a pureza genuína.

Levando em consideração de que os africanos deixaram de vir para o Brasil a mais de um século, isso foi determinante para que aos poucos os negros fossem desaparecendo dando lugar ao mulato e ao cafuzo. Quando a gente observa o povo, o que se vê bem definido é a própria indefinição das raças.

Se em nossa gênese civilizatória tivéssemos a mistura de duas raças, talvez hoje já existisse um tipo físico expresso no Brasil. Contudo, nossa mistura foi entre três raças, e aí, torna-se praticamente impossível a probabilidade de surgimento de uma remanescente bem definida.

Neste diapasão de entendimento, estamos condenados no Brasil a não ter uma definição neste aspecto. Diante destes dados genéticos é possível que tenhamos certa harmonia racial num futuro muito remoto.

A serra estava repleta de grupos afros e umbandistas com suas roupas brancas entre manifestações folclóricas e musicais. O palanque estava repleto de autoridades, destacando-se a delegação da Nigéria com seus sarongues, tamancos e turbantes em suas cabeças; também as do Rio de Janeiro e da Bahia bem paramentados, além dos alagoanos que eram os anfitriões e presidiam os atos religiosos da seita.

Aos pés de uma grande jaqueira, umbandistas faziam a oferenda do achêchê com a intenção de apaziguar a fúria dos eguns da serra e de seu chefe Zumbi. O ambiente, sem dúvidas, refletia a imagem de uma forte influência africana, porém, de África mesmo era apenas uma simulação; tudo estava muito abrasileirado para as homenagens, e era uma espécie de reinvenção advinda da nossa mistura, coisa mesmo só pra Gilberto Freire entender e explicar.

Na volta a Maceió, enquanto a Van descia todo aquele ladeirão perigoso da serra, meu coração só pedia a Deus e aos santos que nós chegássemos lá embaixo sãos e salvos daqueles l.300 m. de altitude acima do nível do mar.

No percurso da viagem até ao Aeroporto – onde iria descer as delegações de fora, os afro-decendentes vinham conversando na maior balbúrdia sobre as coisas do candomblé.

Já no saguão do Aeroporto dos Palmares, antes das despedidas do embarque, o Babalaô Pai Maciel – o Bil da Ponta Grossa, dizia para a Mãe Marinalva da Bahia que não era coisa boa colocar o nome de Zumbi no novo Aeroporto, pois Zumbi é um Egum, e assim sendo, é um gerador de contendas, confusões e maus presságios.

E afirmava que a idéia desse batismo foi de gente que não entende da seita. Eu como membro da imprensa, apenas ouvia curioso, estas declarações umbandistas. Pra seu governo, isso já faz mais de cinco anos, e de lá pra cá todo mês se anuncia à inauguração do novo aeroporto, que a custo de muito sacrifício vem se arrastando, acompanhado de muita contenda e confusão.

Não quero ser nenhum cassandrista, nem mesmo sou umbandista, mas, talvez através da fúria de Zumbi possamos compreender um pouco da alma alagoana, com sua violência, escândalos e indiferenças, e ao mesmo tempo afetuosa e amorosa, nos dizeres de Guedes de Miranda.

Em todo o caso, peçamos a Deus que nos livre dos maus augúrios e das rebeldias dos eguns da serra. Assim sendo, antes do embarque no novo Aeroporto Zumbi dos Palmares, não custa nada fazer ao menos um pelo sinal da Santa Cruz.

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