Categorias: Política

Tensão no partido de Lula atinge limite da ruptura

Para os 840 mil membros do maior partido de esquerda da América Latina, estes são tempos de estresse. Pouco menos de três anos após o seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva, ter se tornado o presidente do Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem sido sepultado por acusações de corrupção.

Para os 840 mil membros do maior partido de esquerda da América Latina, estes são tempos de estresse. Pouco menos de três anos após o seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva, ter se tornado o presidente do Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem sido sepultado por acusações de corrupção.

As eleições internas de amanhã, quando os filiados ao partido elegerão o presidente e o diretório nacional do PT, ressaltarão as divisões profundas em uma organização cuja unidade tem sido uma das características mais previsíveis do cenário político brasileiro.

"O povo está realmente de saco cheio", disse Tarso Genro, um ex-ministro que assumiu provisoriamente o cargo de presidente do partido depois que o seu predecessor foi obrigado a sair. "O clima entre os militantes é realmente ruim. Muita gente acha que foi traída".

No centro da polêmica está o grupo de líderes que traçou o rumo para que o partido se deslocasse da extrema esquerda para o centro, e que orquestrou alianças com partidos de centro e de direita, tornando possível a vitória eleitoral de outubro de 2002.

Líderes do chamado "Campo Majoritário", comandado por José Dirceu, um ex-militante clandestino de linha dura, que certa vez se submeteu a uma cirurgia plástica para modificar sua fisionomia, dominaram a máquina partidária durante uma década. Quatro anos atrás, nas últimas eleições internas, o grupo conquistou bem mais da metade das 83 cadeiras do Diretório Nacional do partido, vencendo as facções de esquerda.

No governo o grupo de Dirceu restringiu o debate interno e fiscalizou os membros do partido para que estes apoiassem as políticas fiscal e monetária conservadoras que ajudaram, no início, a repelir a crise financeira e, a seguir, pavimentaram o caminho para a recuperação econômica.

Os críticos esquerdistas dessa ortodoxia foram silenciados e os dissidentes persistentes expulsos. Mas os líderes do Campo Majoritário foram duramente atingidos pelo escândalo de corrupção. Acusados de administrarem esquemas ilícitos de aquisição de verbas e de pagarem propinas aos aliados parlamentares em troca de votos, o presidente do partido, o tesoureiro e o secretário-geral renunciaram aos seus cargos. Outras figuras da liderança do PT foram rebaixadas na hierarquia do partido.

Dirceu é um dos 16 parlamentares que enfrentam processos de cassação e que podem ser expulsos do Congresso. Até mesmo críticos moderados como Genro dizem que o partido deve retornar ao estilo mais puro e menos autoritário, e ao compromisso com um governo honesto, algo que sempre encarnou.

"O partido foi aprisionado pela lógica da estabilidade econômica e das alianças", critica Genro. "O Campo Majoritário impediu o debate em nome da governabilidade. Eles dispensaram a discussão aberta, em uma espécie de estilo bolchevista".

Genro argumenta que a manutenção da estabilidade foi um feito considerável, mas os radicais que fazem campanhas para facções como a "Liberdade é Vermelha", a "Terra, Trabalho e Soberania" e a "Socialismo e Democracia" estão ansiosos para experimentarem políticas que permitiriam que o Brasil crescesse mais rapidamente e criasse mais empregos. Eles querem que o governo alivie os controles sobre os gastos e reduza as taxas de juros em um ritmo mais rápido.

Membros do partido dizem que a simpatia pela esquerda cresce dentro do PT e que essas facções deverão avançar no domingo. "Não será uma surpresa se a esquerda assumir o controle sobre o partido", afirma Walder de Góes, um analista político de Brasília. "Essa é uma possibilidade real".

Contra essa possibilidade pesa o fato de Dirceu e os indivíduos que o apóiam manterem um controle significativo sobre o partido, especialmente nos níveis estadual e municipal. Dirceu mobilizou a sua base de apoio para impedir que colegas demitidos de seus cargos fossem expulsos do partido, e frustrou as tentativas de Genro de ocupar o cargo em caráter permanente.

Além disso, existe um fator poderoso que pesa a favor da atual liderança. Muitos brasileiros pobres estão mais impressionados com os sucessos da estabilidade econômica do que perturbados com as alegações de corrupção.

Manoel Del Rio, um ativista de São Paulo e candidato do Campo Majoritário ao cargo de presidente distrital, sugeriu que o escândalo foi em parte causado por esforços da direita no sentido de desestabilizar um governo que ajudou os pobres ao combater a inflação e ampliar os programas sociais.

"Atualmente, é possível comprar um número de produtos 50% maior com o salário mínimo do que em 2002. Para muita gente o que importa é a estabilidade econômica", afirmou Del Rio.

A eleição interna poderá ser um ponto de inflexão para o relacionamento de Lula com o partido que ele ajudou a fundar há 25 anos. Até agora o presidente manteve um firme apoio às políticas econômicas ortodoxas, e, ao mesmo tempo, se distanciou de Dirceu e de outros líderes do PT maculados pelos escândalos.

Ainda que o seu índice de popularidade tenha caído, Lula mantém uma base de apoio substancial, especialmente entre os pobres, podendo ainda conquistar um segundo mandato.

No entanto, a eleição de domingo poderá fazer com que a manutenção desse equilíbrio se torne mais difícil. Se os esquerdistas conquistarem muito terreno, eles poderão minar o apoio à ortodoxia econômica. O debate mais aberto também pode perturbar os investidores.

Por outro lado, se o "Campo Majoritário" mantiver ou aumentar a sua força, Lula terá que se distanciar ainda mais dos seus antigos camaradas. Esta tensão é tão intensa que alguns analistas sugerem que ela poderá acabar obrigando o presidente a deixar o partido.

"Lula poderia ter um futuro fora do PT", diz Cristovam Buarque, um ex-ministro que deixou o partido no mês passado.