O referendo sobre o comércio de armas tem a mesma importância da proposta para cortar o vento e acabar com a calmaria em alto mar; há quem tente cortar o vento, mas nenhum o faz por teimosia – o faz por interesse escuso. Ora, se o que não se vende no comércio legal compra-se facilmente no ilegal; se o Brasil é o País da pirataria, do contrabando, então tanto faz como tanto fez. Se eu votar sim estarei optando pelo comércio ilegal de armas; se votar não continua tudo como está.
O referendo sobre o comércio de armas tem a mesma importância da proposta para cortar o vento e acabar com a calmaria em alto mar; há quem tente cortar o vento, mas nenhum o faz por teimosia – o faz por interesse escuso. Ora, se o que não se vende no comércio legal compra-se facilmente no ilegal; se o Brasil é o País da pirataria, do contrabando, então tanto faz como tanto fez. Se eu votar sim estarei optando pelo comércio ilegal de armas; se votar não continua tudo como está.
Usando das prerrogativas de eleitor e baseado em que o sigilo do voto é uma decisão pessoal, decidi quebrá-lo para dizer que não votarei sim nem não; o que eles querem não é a minha opinião, mas a minha cumplicidade. O poder público não garante educação, saúde, emprego e segurança; e quer envolver a sociedade como cúmplice do seu fracasso – como não tem competência para desarmar os bandidos, passa agora a falsa impressão de que a culpa é da bala, do revólver ou do rifle. Ainda bem que a culpa não é da vítima, que estava na frente da bala.
A cumplicidade é o interesse escuso do governo; e entenda-se como governo o conjunto dos poderes, tendo em vista que a proposta se originou no legislativo – que hesitou em decidir e optou por transferir para o povo, refém da violência que eles criaram, mantêm e agora não conseguem controlar. Seria muito bom que se pudesse resolver todas as questões por decretos; ocorre que o comércio de armas existe independente do que decidir qualquer referendo.
Que ninguém se preocupe, pois qualquer que for a decisão do referendo, as armas estarão sempre à disposição dos interessados; e, pensando bem, se o “sim” vencer ficará bem melhor para a clientela. No comércio ilegal não existe burocracia – é toma lá dá cá; jogo rápido; e a mercadoria será entregue em domicílio. Quem duvidar de que não será assim, se o “sim” vencer, basta comparar com o que ocorre com as drogas e o jogo do bicho; são contravenções penais que existem e resistem.
Mas, e se o “não” ganhar? Aí é bom para eles, pois terão argumento para rebater as críticas negativas à falta de segurança; dirão, sem dúvida, que a sociedade decidiu pela existência do comércio legal de armas, portanto, estimulou a violência. É hipocrisia, sem dúvida, mas a vez parece mesmo dos hipócritas, dos que sabem embair. Não poderão enganar a todos o tempo todo, mas enquanto puderem vão levando assim todo mundo na conversa.
Partindo-se do princípio de que a violência é um problema político, não podemos aceitar que o governo trate o assunto com tanta desfaçatez. Talvez aja assim pelo caráter genérico da definição de política; claro, a violência entre palestinos e israelenses é política; a violência nos centros urbanos brasileiro é política, mas a luta é para sobreviver numa guerra que o próprio estado semeou entre irmãos – diferente no Oriente Médio, onde a luta é para se firmar um estado.
O poder público brasileiro que mata porque não garante saúde pública eficiente para todos; que mata na fila da previdência, que mata pelo desemprego, que deixa a população morrer por falta de segurança, pois bem, tem ele a cara de pau de vir perguntar se o comércio legal de armas deve existir. É indiferente que exista; o que não deve existir nunca é o poder público inoperante, que deixou a sociedade refém da violência. Há duas constatações esclarecedoras que o governo finge não entender: 1) também se mata de fome e de raiva. 2) as armas usadas pela violência não são adquiridas no comércio legal.