Aos 18 anos de idade ele ingressou na Polícia Militar de Alagoas como soldado temporário para combater os cangaceiros que agitavam no sertão do Estado; aos 85 anos, depois do célebre tiroteio que deu cabo a Virgolino Ferreira – o Lampião – ele é o pacato cidadão que serve de peça-chave do Museu do Cangaço, em Piranhas, a 278 quilômetros de Maceió. O ex-soldado Josias Valão dos Santos é uma das últimas testemunhas.
Aos 18 anos de idade ele ingressou na Polícia Militar de Alagoas como soldado temporário para combater os cangaceiros que agitavam no sertão do Estado; aos 85 anos, depois do célebre tiroteio que deu cabo a Virgolino Ferreira – o Lampião – ele é o pacato cidadão que serve de peça-chave do Museu do Cangaço, em Piranhas, a 278 quilômetros de Maceió. O ex-soldado Josias Valão dos Santos é uma das últimas testemunhas vivas de uma época de subversão no sertão nordestino, com a atuação de bandos de cangaceiros e salteadores.
Funcionário da Prefeitura da Piranhas, ele está sempre à disposição do visitante e do pesquisador para contar sobre os três anos – ele ingressou na volante do sargento Aniceto quando tinha 15 anos de idade – mas, cuidadoso, fala só do que viu e ouviu; não fala sobre o cerco a Angico, ocorrido em 28 de julho de 1937, quando a polícia alagoana acabou com Lampião e seu bando.
“Nesse dia eu não fui; o sargento Aniceto me deixou em Piranhas porque no dia anterior eu tinha machucado o pé e não podia fazer a marcha forçada na caatinga. Fique aqui de sobreaviso”, relembra.
E como ficou em Piranhas, de sobreaviso, coube-lhe a missão que ele ainda hoje, 67 anos depois, recorda com náuseas – foi ele quem juntou as 11 cabeças dos cangaceiros mortos, entre eles Lampião, Maria Bonita e Luiz Pedro, para a fotografia. Mas, quando lhe perguntam se identificou entre os cangaceiros mortos o líder famoso e a sua mulher, Josias é cauteloso: “Eu nunca vi Lampião nem Maria Bonita, mas quem os conheciam garante que eram eles mesmo. E eu tenho de acreditar”, sustenta.
Natural de Piranhas e sendo o município a base da volante do tenente João Bezerra – o oficial era casado com uma nativa – não foi difícil para Josias ingressar na volante; ele recorda que levou muita carreira dos policiais, quando era garoto. “Até os 12 anos de idade eu não podia ver a volante chegar em Piranhas que ia me juntar aos soldados; fazia mandados deles e até acompanhava a volante. Muitas vezes os soldados me colocavam para correr”, lembra.
A disposição daquele menino chamou a atenção do sargento Aniceto; quando Josias completou 15 anos o sargento perguntou se desejava acompanhar a volante – sua missão seria ajudar a distribuir a munição com os combatentes; no início ele não iria participar dos combates. Josias aceitou; além da vocação, tinha a necessidade. Com o soldo ele ajudava a família e ainda juntou alguns trocados.
Josias é modesto; diz que tem pouco segredo e justifica pelo tempo – apenas três anos – na volante, mas o que testemunhou daria para reverter parte da história do cangaço. Josias conta, por exemplo, que Lampião estava tuberculoso – doença natural na época; e que levava à morte; em 1938 o maior famoso chefe de cangaceiro evitava os combates, como aconteceu na Fazenda Patos, no povoado Caboclo, no atual município de São José da Tapera. “Uma manhã Lampião topou com o sargento Aniceto e, para surpresa da gente, não quis brigar.
O sargento dizia que o Luiz Pedro pedia para ele brigar, gritava desesperado. A gente estava com pouca munição e esperava que ele tivesse a iniciativa, mas Lampião foi embora”, conta.
O ex-soldado justifica assim o fato de Lampião não ter adotado as providências recomendáveis para quem deseja acampar. “Das duas uma: ou ele (Lampião) confiava demais no coito (esconderijo) ou não estava ligando mais para nada; queria se entregar, como se comentava no sertão naquela época. Mesmo que ele quisesse se entregar, teria de ter tomado alguns cuidados.
Por exemplo: Lampião sempre andava com cachorros de caça, mas, naquela madrugada, o cachorro tinha acompanhado o cangaceiro que foi buscar o leite e isto não dá para entender porque não ficou ninguém guarnecendo os postos das sentinelas”, disse.
Outro episódio que chamou a atenção de Josias foi a rebeldia do cangaceiro apelidado de “Diferente”, que era viciado em baralho e, quando estava perdendo, falava palavrões. Numa partida em que se encontravam Lampião, Luiz Pedro, Maria Bonita e Sabonete, o cangaceiro soltou palavrões e foi recriminado por Luiz Pedro, que o chamou a atenção para a presença de Maria Bonita na mesa.
E o cangaceiro desbocado reagiu, dizendo que Maria Bonita não era nenhuma santa. “Você (Luiz Pedro) come ela (Maria Bonita)”, relatou Josias, dizendo que essa passagem foi contada ao sargento Aniceto por um coiteiro. “A surpresa é que Lampião fez que não ouviu nada”, arrematou.
Quando Lampião foi morto, na manhã do dia 28 de julho de 1938, Josias recorda que todos os cuidados tinham sido adotados para surpreender o cangaceiro. Por exemplo: o trem chegou à Estação de Piranhas sem apitar – foi a primeira vez que isso aconteceu. E o telegrafista da Rede Ferroviária ( Valdemar Damasceno, avô do desembargador Washington Luis e dos prefeitos Inácio Loiola, de Piranhas, e Xepa, de Olho D´Agua do Casado), passou o seguinte telegrama cifrado: “Tenente Bezerra, tem boi no pasto”. O tenente Bezerra estava em Delmiro Gouveia.