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Referendo opõe visões distintas de combate à violência

Quem é a favor vê na medida uma maneira de limitar o acesso às armas e, assim, reduzir o número de homicídios. Quem é contra diz que a proibição serve apenas para estimular o comércio ilegal e deixar cidadãos desarmados diante de criminosos com armas.

O referendo sobre a proibição do comércio de armas no Brasil opõe duas visões bem distintas sobre o combate à violência.

Quem é a favor vê na medida uma maneira de limitar o acesso às armas e, assim, reduzir o número de homicídios. Quem é contra diz que a proibição serve apenas para estimular o comércio ilegal e deixar cidadãos desarmados diante de criminosos com armas.

A proibição é defendida principalmente por entidades que apoiaram a Campanha do Desarmamento, como o governo federal, a ONG Viva Rio, o Instituto Sou da Paz, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e outros movimentos sociais.

Os principais grupos contra a restrição são as empresas fabricantes de armas de fogo, a ONG Movimento Viva Brasil e associações e sindicatos de policiais e delegados.

O Congresso Nacional determinou que a campanha pelo referendo deveria ser conduzida por duas frentes parlamentares: uma contra e outra a favor da proibição do comércio de armas.

A Frente Parlamentar Pelo Direito da Legítima Defesa, que defende o voto "não", tem como principais líderes os deputados Alberto Fraga (PFL-DF), Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP) e Onyx Lorenzoni (PFL-RS).

Já a Frente Parlamentar Brasil sem Armas, que faz campanha pelo voto "sim", é liderada pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e pelos deputados Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) e Raul Jungmann (PPS-PE).

Legítima defesa

A frente que é contra a proibição do comércio de armas afirma que a medida seria um retrocesso porque violaria direitos humanos básicos como o direito à legítima defesa e o direito à propriedade.

"É muita ingenuidade alguém ficar falando que quanto mais armas existirem mais crimes vão acontecer", diz o deputado Alberto Fraga. "Você pode restringir o máximo para que o cidadão não compre uma arma legal, mas você não pode proibir."

"A medida adotada pelo governo é de punir o mercado legal, e o mercado ilegal, que é o que alimenta o crime organizado, não será punido. Ao contrário, vai ser institucionalizado", acrescenta.

Ao associar o referendo e a idéia da proibição do comércio de armas ao governo federal, Fraga também reclama do orçamento, que considera pequeno, destinado a medidas de segurança pública.

O deputado cita como exemplo o fato de o governo ter destinado, no ano passado, cerca de R$ 360 milhões ao Fundo Nacional de Segurança Pública e, ao mesmo tempo, a Justiça Eleitoral ter uma verba de mais de R$ 270 milhões apenas para a realização do referendo.

Primeiro passo

O antropólogo Rubem Cesar Fernandes, coordenador-geral do Viva Rio, rebate as afirmações de Fraga com o argumento de que o comércio ilegal é dominado por armas produzidas e comercializadas dentro do próprio país.

Fernandes cita como exemplo os dados da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro de que quase 80% das armas apreendidas pela polícia no Estado são de fabricação brasileira.

"Uma restrição radical do comércio no Brasil é um primeiro passo importante para estrangular o mercado ilegal. É do mercado legal que vêm as armas. (É) diferente das drogas. As drogas são ilegais o tempo todo", diz o coordenador do Viva Rio.

O antropólogo também reclama da tentativa da frente contra a proibição do comércio de armas de relacionar o referendo ao governo federal.

Rubem Cesar Fernandes lembra que o referendo não era uma proposta original dos movimentos que defendem o desarmamento.
A votação foi definida pelo Congresso após uma negociação entre os deputados para garantir a aprovação do Estatuto do Desarmamento, que inicialmente deveria incluir a proibição do comércio de armas sem a consulta popular.

O coordenador do Viva Rio, no entanto, admite que o atual "ambiente político" é "muito negativo" para a ratificação popular de uma proibição proposta por uma lei apoiada pelo governo federal.

"Com toda a crise desses últimos meses, o brasileiro está muito indignado com as instituições públicas, e a aposta no desarmamento está associada a uma aposta nas instituições públicas, na vida pública", afirma Fernandes.