Lá estava dona Edite – moradora do Prado há 40 anos, preparando o almoço e ouvindo o seu inseparável rádio AM, quando escutou que os sem terras vinham trazer seus produtos orgânicos para vender na Praça da Faculdade
Lá estava dona Edite – moradora do Prado há 40 anos, preparando o almoço e ouvindo o seu inseparável rádio AM, quando escutou que os sem terras vinham trazer seus produtos orgânicos para vender na Praça da Faculdade.
Ficou louquinha de alegria, pois mesmo com pouco estudo dona Edite era uma autodidata; gostava de uma revista ou jornal quando lhe emprestavam e assistir televisão nas poucas horas vagas. Já nos afazeres de casa, como já dissemos, sempre estava com seu rádio se informando dos acontecimentos do Brasil e do mundo.
Como uma alagoana e brasileira sensata, aprendia uma maneira de gastar menos e aumentar seus dias de vida com qualidade. E nada melhor para conciliar tudo isso do que ir a feira dos sem terra, pois produtos orgânicos são saudáveis.
Já tinha ouvido falar do problema dos transgênicos, porém, ninguém tinha certeza das conseqüências desse novo produto na natureza, no meio-ambiente, na saúde do consumidor e do produtor. Ela queria consumir produtos de qualidade, sem essas sementes transgênicas.
Bem: chegou o dia da feira, e lá se foi dona Edite. O pouco dinheiro que tinha deu de sobra pra comprar suas coisinhas e até levar uns agrados pra seus netos. Foi um dia diferente, um percurso diferente, e chegando lá encontrou uma ótima receptividade, de gente muito acolhedora, bem diferente de que alguns querem mostrar.
Ao chegar em casa foi logo descascando a macaxeira, novinha novinha, e se perguntando: Por que meu Deus esse povo tão bom, tão trabalhador, tão da terra, vive assim pelo mundo lutando pelo que é seu, e só alguns poucos conseguem um pedaço de terra pra plantar e viver?
Pensar que a terra é das mãos de quem nela trabalha e de que existe tanta terra sem mãos, parece até um contra-senso, mas, é a realidade. Lembrar que o estatuto da terra foi criado há 40 anos como uma das legislações mais avançadas do mundo e que até hoje não passou do papel, nos parece eufemismo falar em direitos e leis diante desta mazorca em que vivemos.
Pensar na carência da produção de alimentos do nosso Estado é enxergar que a produção dos sem terras vem a ser a auto-suficiência e a comida na mesa de nossa gente. O que se precisa é acabar com essa má distribuição de terra. É reforma agrária já! É… Espero que os governantes cumpram o que prometeram.
Só resta perguntar: A nossa sociedade vai usar a terra e a agricultura para produzir alimentos, distribuir renda e fixar o homem no território? Ou vai entregar as terras para as grandes fazendas, que vão expulsar a população, vão ganhar muito dinheiro e dar prioridade para a exportação?
Na verdade, a meu ver, o Brasil é tão grande que dá pra todo mundo; veja, por exemplo, no estado do Pará existe a maior fazenda do mundo numa área do tamanho do País da Dinamarca. Desta forma, tanto a agricultura das grandes fazendas de exportação como a agricultura de subsistência e do consumo interno poderão conviver e ajudar no desenvolvimento agrário.
Leve-se em consideração que mesmo os proprietários de minifúndios organizados em associações representativas, poderão também participar do mercado externo, como se faz nas regiões de Petrolina-Pe e Juazeiro na Bahia.
Eu conheço muita gente que vive na capital, possui um emprego do qual sobrevive, e mantém uma propriedade improdutiva no interior só pra dizer na roda de amigos que é fazendeiro. Ainda existe esse tabu da terra entre nós, ou seja, o de que quem a possui é um sujeito bem sucedido.
Isso são uma mera ilusão e opulência descabida; muito desses falsos fazendeiros se quer plantam uns pés de feijão, vão pra suas terras improdutivas nos finais de semana acampar, dormir e fazer turismo barato e nada mais. Mas não é esse tipo de proprietário de terra que Dona Edite dona de casa e consumidora quer; na verdade, ela quer a terra nas mãos de quem dela vive, para que o alimento chegue fresquinho e barato na mesa do povo da cidade.