O pedido é baseado em uma série de desrespeitos aos direitos humanos e manifestações de homofobia exibidos no quadro de pegadinhas do programa “Tarde Quente”, apresentado pelo humorista João Ferreira Filho, o João Kleber.
O procurador regional dos direitos do cidadão em São Paulo, Sergio Gardenghi Suiama, e a procuradora regional dos direitos do cidadão substituta, Adriana da Silva Fernandes, ajuizaram em conjunto com seis organizações não-governametais que defendem os direitos dos homossexuais e os direitos humanos Ação Civil Pública pedindo a cassação da concessão da TV Omega Ltda, a Rede TV. O pedido é baseado em uma série de desrespeitos aos direitos humanos e manifestações de homofobia exibidos no quadro de pegadinhas do programa “Tarde Quente”, apresentado pelo humorista João Ferreira Filho, o João Kleber.
Além da cassação da concessão, pedida no mérito da ação, o Ministério Público Federal e as ONGs pedem que a Justiça conceda liminar determinando a suspensão imediata do programa “Tarde Quente” e das pegadinhas exibidas pelo programa e, como direito de resposta aos ofendidos, que seja exibido no mesmo horário do programa, durante 60 dias, programas sobre direitos humanos e contra a discriminação por orientação sexual, com custos arcados pela Rede TV.
A ação pede também que a Rede TV e João Kleber sejam condenados a indenizar a sociedade pelo dano moral coletivo, solidariamente, no valor de 20 milhões de reais – o que equivale a 10% do faturamento bruto anual da emissora.
Ao mesmo tempo, o MPF expedirá à direção das lojas Marabraz recomendação sugerindo que a empresa pare de patrocinar o programa. Segundo o mercado de televisão, um anúncio de 30 segundos nos intervalos do programa, exibido à tarde, custa 13,5 mil reais.
Desde 2003, o MPF em São Paulo tem procedimentos abertos para apurar queixas de telespectadores afrontados pelas baixarias exibidas pelos programas do apresentador: o "Eu Vi na TV", do infeliz e supostamente montado quadro "Teste de Fidelidade", em que maridos ou mulheres supostamente traídos assistem, no palco, a gravações de seus parceiros os traindo, não raro com o quadro exibindo cenas torpes de agressões entre os integrantes dos casais, e o "Tarde Quente", mais recente, que foca seu conteúdo nas pegadinhas.
Os dois programas aparecem constantemente, desde 2004, na lista da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, elaborada a partir de queixas de cidadãos ao projeto da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Para o procurador, não é admissível que concessionárias de serviço público, como as TVs, usem o espaço público concedido para violar direitos fundamentais da pessoa humana.
Durante o tempo em que monitorou o programa, o MPF compilou algumas das chamadas das pegadinhas que ofenderam cidadãos, como "Bicha atrevida faz pedestre se passar por gay e apanha"; "Bichas fazem festa no banheiro, irritam as pessoas e apanham"; "Acha que vai ser servido por ‘gostosa’ mas é travesti"; "Ator insiste que pedestre é gay e acaba apanhando"; "Repórter faz pedestre passar por marido de travesti e apanha".
Para o MPF, o programa prega a homofobia ao legitimar com as pegadinhas "a violência social contra homossexuais, na medida em que a ‘bicha’ encenada termina sempre punida com os socos e chutes dos passantes".
Suiama ressalva, entretanto, que o MPF não quer estabelecer nexo causal entre o programa e as milhares de agressões diárias sofridas por homossexuais Brasil afora. "O próprio programa televisivo dos réus já é um ato de violência simbólica contra, pelo menos, 20 milhões de brasileiros", escreveu o procurador na ação.
Não só homossexuais são desrespeitados pelo programa. Qualquer pedestre pode ser vítima de humilhações e constrangimentos no "Tarde Quente". Passantes são abordados na rua e gratuitamente chamados de "trouxas", "drogas", "fedidos", "aleijados", "cornos", "otários" e "escrotos". Mulheres – inclusive senhoras idosas – são chamadas de "galinhas" pelos "atores" contratados pelos réus.
Num dos quadros levados ao ar recentemente, em 5 de julho de 2005, "Homem ameaça apagar pedestres e acaba apanhando", o "ator" se faz passar por assaltante e ameaça uma mulher que, sem saber que se tratava de uma farsa, começa a chorar, sob o riso de escárnio do apresentador. O MPF junta na ação também outra característica comum às pegadinhas: humilhar pessoas simples que se dispõem a ajudar alguém em necessidade.
O MPF tentou evitar a ação, chamando os réus para firmar um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual foi sugerido à Rede TV e ao apresentador que o programa passasse a respeitar os direitos fundamentais do cidadão, mas a proposta foi rejeitada pelo departamento jurídico da emissora, que não vislumbrou "motivos para firmar o documento".