Categorias: Crônica

Nosso Brasil Afro

Quando cheguei à lanchonete do supermercado naquela noite, estava meio encabulado, pois era dia do vencimento das minhas contas a pagar. Contas a pagar nunca dão alegria a um brasileiro de classe média; a quem diga, entretanto, que ela nos traz duas alegrias, quais sejam: uma quando se entra e a outra quando se sai do débito.

Quando cheguei à lanchonete do supermercado naquela noite, estava meio encabulado, pois era dia do vencimento das minhas contas a pagar. Contas a pagar nunca dão alegria a um brasileiro de classe média; a quem diga, entretanto, que ela nos traz duas alegrias, quais sejam: uma quando se entra e a outra quando se sai do débito.

Também tinha olhado na banca de revista as manchetes dos jornais, que têm aumentado nosso tédio com o momento político atual. O próprio vice-presidente da República no último dia 16 fez uma declaração hilária aqui em Alagoas, quando disse: parece que nós brasileiros fizemos um pacto com o diabo.

Por fim , como já falei, estava mesmo meio encabulado. Nesse meio tempo, do outro lado do balcão de vidro da lanchonete, me aparece a Dida, uma afro-descendente de lábios carnudos e da cor de jambo, que com um sorriso meigo e espontâneo foi logo me dizendo: Moço o que o Senhor vai querer hoje? Assim, com aquela alegria natural e jeito manhoso dos afro-descendentes, ela vai conquistando todo mundo.

Eu mesmo se comerciante fosse, gostaria de tê-la como minha vendedora. Naquela noite seu sorriso foi o remédio pra minha tristeza; senti como é gostoso ser brasileiro – apesar de tudo. Compreendi que não saberia viver num país que não tivesse essa nossa descendência africana.

Da mesma forma, é no restaurante da Juju, uma mulata carismática que faz a gente se sentir em casa com seu atendimento, como a famosa Dadá de Salvador na Bahia. Não conheço por aqui tempero igual ao da Juju; seja na galinha ao molho pardo, no bife ao molho ou na feijoada das sextas-feiras, sua mão é imbatível. Comenta-se até que certo governador deixava as iguarias do palácio e os bons restaurantes, para almoçar a comidinha caseira da Juju. Ô nega caprichosa e de comida cheirosa meu irmão!

O fantástico em nosso país é essa capacidade de convivermos com a mistura das raças. Ouvimos no rádio e na TV recentemente essas revoltas na periferia de Paris na França, por parte de jovens descendentes de emigrantes africanos e asiáticos. A Europa e o povo americano ainda estão aprendendo a conviver com as diferenças. Nesse mundo globalizado, isso se fará cada vez mais necessário como forma de diminuir os conflitos.

No último dia 20 de novembro comemoramos o dia da morte de Zumbi. Uma data oficial que é o reconhecimento a um homem negro que se tornou o herói da resistência contra a escravidão. Zumbi, num canto de liberdade, fundou a primeira república em terras alagoanas – a República dos Palmares, precisamente na Serra da Barriga.

Hoje os movimentos sociais, as ONGS e grupos de minorias étnicas, procuram conscientizar a população brasileira de que 70% da nossa etnia são afro-descendentes; e que de um modo geral nosso povo tem de alguma forma influências da raça negra. De modo que, o Brasil precisa resgatar essa dívida com sua negritude e não fugir dela como no século passado, em que o governo buscou imigrantes europeus como forma de embranquecer nossa raça. Na verdade, foi à mão de obra escrava que construiu quase tudo no Brasil Colônia. Observe-se, entretanto, que seremos sempre mestiços, porque fomos destinados a misturas de várias raças.

Quando vejo a Brenda – uma moreninha de dois aninhos, brincando com sua babá pelos quarteirões do prédio, percebo que a moça a trata cheia de dengos, e sinto quanto à garotinha é paparicada por aquela família, que carinhosamente a chama de negona.

Já a Kiliane, morena chocolate de 21 anos, estudante de medicina, cabelos de índia nas costas, comenta-se que ela sempre foi o chodó dos tios e dos avós, que por sinal, têm tez mais embranquecida e a chamam delicadamente de neguinha.

Agora, se me permite o caro leitor, hoje lembrei que a noite irei passar no supermercado; pagarei uma pequena conta graças a Deus; não é dia de compras, mas comprarei, porque sempre se compra alguma coisa quando se entra num supermercado; contudo, isso não tem importância, porque vou rever minha simpática amiga afro-descendente, vou rever Dida; a Dida e seu sorriso.

Recentes