2005, o ano em que a Câmara dos Deputados viveu em crise permanente, teve a pior produtividade em uma década. Desde 1994 não se votavam em plenário tão poucas matérias, a maioria de importância restrita. Na comparação com o ano passado, a queda na aprovação de projetos de lei, emendas constitucionais e medidas provisórias foi de 44,8%.
2005, o ano em que a Câmara dos Deputados viveu em crise permanente, teve a pior produtividade em uma década. Desde 1994 não se votavam em plenário tão poucas matérias, a maioria de importância restrita. Na comparação com o ano passado, a queda na aprovação de projetos de lei, emendas constitucionais e medidas provisórias foi de 44,8%.
Foi, na opinião unânime da Casa, da oposição de direita à de extrema-esquerda, passando pela base do governo, um ano para ser esquecido. A Câmara aprovou apenas 75 matérias: quase metade (36) medidas provisórias, que são iniciativa do Executivo. Foram ainda 34 projetos de lei, quatro projetos de resolução e uma emenda constitucional.
O cálculo, feito a partir de registros da própria Câmara, exclui assuntos que não tratam da criação de leis, como cassação de deputados, e decretos legislativos, que são geralmente a ratificação de acordos internacionais.
O desempenho é pior até que o de anos eleitorais, em que o Congresso praticamente pára na metade do ano. Pior também que o de outros anos de crise, como 1997, quando a Casa enfrentou o escândalo da compra de votos para a reeleição e mesmo assim aprovou 78 matérias.
2005 foi um ano de inferno astral para a Câmara. Vieram em seqüência, às vezes acumulando-se, a eleição de Severino Cavalcanti (PP) para a presidência da Casa, em fevereiro, a desintegração da base aliada em março, a (fracassada) operação abafa da CPI dos Correios em maio, o escândalo do "mensalão" em junho, a queda de Severino em setembro e os processos de cassação a partir de outubro. Esmagada pela sucessão frenética de denúncias e órfã de um governo que tivesse capacidade de levar adiante seus projetos, a agenda positiva sumiu.
São poucos os projetos considerados relevantes aprovados. Os dois principais foram votados em março, numa era que hoje parece longínqua, a do pré-"mensalão": a Lei de Biossegurança, que regulamentou os alimentos transgênicos e autorizou a pesquisa com células-tronco, e a chamada PEC Paralela da Previdência, que suavizou mudanças na aposentadoria de servidores. Outros destaques foram a aprovação da MP do Bem, para desonerar exportações, o programa de microcrédito e uma resolução que incentiva a fidelidade partidária. No mais, foram projetos de alcance limitado ou simbólico, como um que inscreve o Almirante Barroso no Livro dos Heróis da Pátria.
Em alguns meses, a Câmara praticamente passou em branco. Em abril, o próprio governo obstruiu a pauta, uma situação insólita, já que esse é um instrumento típico das oposições. Tinha medo de que Severino colocasse a reforma tributária em votação, sem acordo. Resultado: apenas cinco MPs aprovadas no mês. Pior foi agosto, no auge da crise política, com duas MPs votadas.
Para Renato Casagrande (ES), líder do PSB, foi "um dos piores anos da Câmara". José Carlos Aleluia (PFL-BA), líder do bloco de oposição, diz que foi "um ano em que não fizemos nada para justificar nossa presença aqui".
Na opinião de Chico Alencar (PSOL-RJ), a Câmara teve "produtividade abaixo de zero, talvez a menor da história republicana". E, segundo o vice-líder do governo, Beto Albuquerque (PSB-RS), "em vez de votar, ficamos nos jogando uns contra os outros".
O atual presidente da Casa, Aldo Rebelo (PC do B-SP), reconhece o papel da crise, mas põe a culpa pela paralisia também num alvo favorito dos parlamentares, as medidas provisórias. "Tivemos um ano com características muito particulares em função da atividade investigativa das CPIs. A Câmara teve de destinar uma parte importante da sua energia e do seu tempo para apreciar processos e investigações contra parlamentares. Em segundo lugar, as MPs têm uma interferência muito grande sobre o andamento do processo legislativo", afirma.
Para 2006, a Câmara deixa uma longa lista de "restos a votar". Algumas matérias integram a agenda econômica e estão prontas para ir ao plenário, mas acabaram atropeladas pela crise, como a Lei Geral das Micro Empresas e a criação da Super-Receita.
Outras, mais complexas, integram a chamada "agenda de reformas", mas estão num atoleiro e dificilmente sairão de lá, como a reforma tributária e a reforma política. Há ainda um grupo de assuntos que já foram considerados estratégicos, mas, em 2005, avançaram quase nada –a reforma sindical e a proposta de emenda para acabar com o nepotismo.
Os deputados, que estão em convocação extraordinária desde a metade deste mês, voltam mesmo ao trabalho em 16 de janeiro. Os líderes partidários e Aldo prometem começar uma corrida para evitar que 2006, ano eleitoral, seja pior que 2005. A preocupação é justificada –em julho, a Casa já deverá estar entregue às moscas.