Categorias: Educação

“Não tenho a visão, mas enxergo as oportunidades”

Desde que iniciaram as aulas José Erivan acorda cedo todos os dias para ocupar a primeira cadeira da primeira fila, na primeira turma pré-vestibular deste ano. Erivan Azevedo estuda quase 12 horas por dia para conseguir chegar a Universidade. Copia tudo o que os professores falam e ainda aborda alguns deles para tirar dúvidas fora de aula. Uma trajetória normal para qualquer estudante. No entanto, Erivan tem um desafio a mais: ele não enxerga.

Luis Vilar

Luis Vilar

O vestibular de 2006 serviu de lição para a Comissão de Vestibular da Universidade Federal de Alagoas. A discussão traçada em torno dos deficientes físicos e as condições necessárias para que estes fizessem as provas foi levada ao Ministério Público e quase é pedida à anulação do vestibular.

Mas, se a sociedade capitalista – que tem o processo de exclusão como natureza – não abre portas, aqueles que possuem algum tipo de deficiência física são obrigados a criar espaços a força. Arregaçando as mangas e indo a luta, estas pessoas se tornam sobre-humanas e deixam transpirar na sociedade, uma lição de vida.

Como exemplo, pode ser citado o aluno José Erivan Azevedo, 43. Desde que iniciaram as aulas no Vandeval Cursos, ele acorda cedo todos os dias para ocupar a primeira cadeira da primeira fila, na primeira turma pré-vestibular deste ano. Erivan Azevedo estuda quase 12 horas por dia para conseguir chegar a Universidade. Copia tudo o que os professores falam e ainda aborda alguns deles para tirar dúvidas fora de aula. Uma trajetória normal para qualquer estudante. No entanto, Erivan tem um desafio a mais: ele não enxerga.

Sem o auxilio da visão, Erivan conclui os estudos há algum tempo. Segundo ele mesmo, sempre teve vontade de fazer vestibular, mas faltou tempo e coragem. Somente este ano, resolveu tentar entrar na universidade pela primeira vez. “Apesar de parado há alguns anos, eu pude desenferrujar e seguir em frente”. Resultado, José Erivan preencheu a ficha da Copeve, como quem tatua na vida uma sina: “Quero ser historiador”.

“Sei que a estrada é longa. Faltam ainda alguns passos para entrar na Universidade Federal, que são as provas da segunda fase e ainda tem os quatro anos do curso, caso eu passe. Estou animado. Estudei e vou fazer a prova. Espero derrubar a concorrência e chegar lá”, colocou Erivan.

Para isto, o aplicado aluno conta com suas inseparáveis anotações. “Todas as aulas ministradas no Vandeval estão em Braille, nos cadernos de Erivan”, coloca o colega que estuda com ele e seu concorrente. “Acho mais fácil ele passar do que eu. Ele é muito estudioso e atento”, explicou. Apesar dos elogios, Erivan deixa bem claro: “que nada rapaz, vestibular é difícil”.

Hoje foi o último dia de aula de Erivan. Foram dez aulas ao todo. Ele chegou no cursinho às 8 horas e pretende ficar até às 18 horas, quando será dada a última aula antes das provas, no domingo. “Agora é só esperar a hora e torcer para que tudo acabe bem”, diz ele. Além de historiador, Erivan espera dar aulas de História assim que entrar na faculdade. “Gosto muito desta disciplina e por isso a escolhi”.

As provas

Amanhã, a sorte está lançada. Tudo depende da sabedoria que Erivan acumulou nestes dias de estudo. “Nossas provas são as mesmas que de todo mundo, a única diferença é que a gente conta com a ajuda dos ledores (pessoas destinadas pela Copeve para ler as questões das provas para os deficientes visuais)”. Além dos ledores, os deficientes visuais farão provas em salas especiais e contam com uma hora a mais. “Mas este tempo extra é o que nós perdemos escutando os ledores. No fim das contas dá no mesmo”, ressalta Erivan, que está bastante confiante e aguarda ouvir seu nome no rádio novamente.