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Lampião manipulava a imprensa, afirma historiadora da arte

Historiadora vê nas fotos de cangaceiros feitas por Benjamin Abrahão e outros a gênese da manipulação da mídia por criminosos. No livro de fotos "Cangaceiros", historiadora da arte relaciona estética e estratégias do bando de Lampião por meio de imagens feitas nos anos 30 por mascate libanês

A literatura de cordel e o cinema novo heroificaram o cangaço e seus líderes mais notórios, Lampião e Corisco. Bandidos sangüinários, eles souberam usar, antes das letras e do celulóide, uma outra mídia para se autopromover e intimidar.

Nos anos 30, Lampião deixou que o mascate libanês Benjamin Abrahão fotografasse a si e a seu bando, uma história já contada pelos cineastas Paulo Caldas e Lírio Ferreira no longa "Baile Perfumado" (1997).

Aqueles registros de corpos paramentados para ação ou de cabeças cortadas e exibidas como numa feira de horrores reaparecem agora reunidos no livro "Cangaceiros", que a editora Terceiro Nome acaba de lançar. As fotos foram coletadas pela historiadora da arte Élise Jasmin, 39, francesa, para uma tese de doutorado na Sorbonne, em Paris, sobre a construção do mito Lampião.

Além dos retratos de Abrahão, o livro traz registros de outros fotógrafos, recolhidos em São Paulo, Rio, Recife, Fortaleza, Aracaju e Maceió, imagens na fronteira entre o fotojornalismo e a propaganda. Ao longo das 18 páginas de seu texto de apresentação, Jasmin fala da importância estética e estratégica da fotografia no cangaço.

"Com as fotos de Abrahão surge a imagem do cangaceiro por excelência. A partir dos anos 30, Lampião se tornou singular: cuidou de sua aparência e de seu grupo, fez uma encenação em torno de sua pessoa e atividade", diz Jasmin à Folha. "As fotos permitem ver esta mudança de estatuto da imagem entre os cangaceiros."

Uso da imagem

Jasmin conta que Abrahão permitiu que os cangaceiros fizessem ora poses bem estereotipadas, ora se dessem ao "luxo" de aparecer como burgueses ou heróis de cinema. Lampião queria, com os registros, mostrar a coesão do grupo e lançar ao mundo -especialmente a seus perseguidores- uma imagem de dignidade e uma postura de desafio.
A historiadora vê na "clandestinidade exibida" dos cangaceiros uma espécie de gênese da manipulação da mídia, por parte de grupos criminosos.

"Estas imagens dos bandidos no auge de sua glória e poder, ao lado das fotos com o jogo cênico de suas mortes, fazem parte desta espetacularização da violência que encontramos nas sociedades modernas. É um fenômeno que vemos se desenvolver especialmente nas grandes cidades atingidas pelo crime organizado. Lampião e seu grupo foram os primeiros a se apropriar deste modo de comunicação, a instrumentalizá-lo, para desafiar seus adversários, impor seu poder e mostrar que seu sistema de valores, a vida que levavam, tinha um sentido para eles".

Jasmin destaca ainda que as fotos das cabeças cortadas dos cangaceiros são também muito importantes nesta iconografia, pois representam uma resposta violenta, na mesma moeda midiática, às provocações de Lampião. E cita a de Lauro Cabral, que apresenta Lampião em Juazeiro, como "esteticamente bela" e mais importante historicamente, pois marca a entrada de Lampião no imaginário brasileiro, com sua chegada a Juazeiro, em 1926, para combater a Coluna Prestes.

"É aí que o personagem aparece pela primeira vez na imprensa, que vemos seu rosto. Parece uma verdadeira foto de estúdio que se apropriou dos modelos de figuração cinematográficos da época. Lembra Rodolfo Valentino", comenta a historiadora.

Livro: Cangaceiros
Autora: Élise Jasmin
Editora:Editora: Terceiro Nome
Quanto: R$ 60 (152 págs.)

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