Entre os países consultados, as duas tendências cristãs só são mais fortes na Guatemala, onde representam 60% da população, e no Quênia, onde equivalem a 56%.
Uma pesquisa realizada pelo instituto de pesquisas religiosas americano Pew Forum on Religion and Public Life mostra que os adeptos de religiões pentecostais e os católicos carismáticos já formam 49% da população brasileira de grandes centros urbanos.
O recém-divulgado estudo Spirit and Power (Espírito e Poder) traz diversos dados a respeito do que chama de movimentos ”renovacionistas” e foi feito em dez países – Brasil, Estados Unidos, Chile, Guatemala, Quênia, Nigéria, África do Sul, Índia, Filipinas e Coréia do Sul.
”A cifra brasileira é bem fascinante. Um em cada dois brasileiros nos centros urbanos são ou pentecostais ou carismáticos – católicos que aceitam muitas das práticas típicas do pentecostalismo. É a terceira maior porcentagem dessas populações entre os países que pesquisamos”, afirma Luis Lugo, diretor do Pew Forum on Religon and Public Life.
Entre os países consultados, as duas tendências cristãs só são mais fortes na Guatemala, onde representam 60% da população, e no Quênia, onde equivalem a 56%.
A pesquisa do Pew Center foi realizada por meio de entrevistas conduzidas nas ruas de Recife, São Paulo e Porto Alegre (que têm uma população estimada em 14 milhões de pessoas) entre maio e julho deste ano, com uma amostra de 1,6 mil pessoas com idade superior a 18 anos de idade.
Segundo Lugo, ”protestantes pentecostais e católicos carismáticos têm um senso muito forte da intervenção supernatural em eventos do dia a dia. Muitos acreditam em experiências como cura divina e até mesmo no fim do mundo e em exorcismo”.
Segundo a pesquisa, 80% dos pentecostais brasileiros dizem que ”já presenciaram ou vivenciaram exorcismos”. É a segunda cifra mais elevada entre os pentecostais consultados. A crença no exorcismo entre brasileiros adetpos dessa corrente só é ligeiramente inferior à do Quênia, onde 86% dos pentecostalistas contam já ter tido algum tipo de contato com exorcismos.
O movimento pentecostal se formou no início do século 20, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Seus adeptos crêem na manifestação do Espírito Santo por meio de sinais tais como curas milagrosas, profecias e visões e o dom de falar em línguas estranhas enquanto rezam (glossolalia).
No Brasil, o pentecostalismo teve diferentes fases. Uma das primeiras Igrejas, surgida no início do século 20, foi a Assembléia de Deus, que reúne o maior número de adeptos dessa tendência. As décadas de 70 e 80 marcam o advento do neo-pentecostalismo, à qual pertencem a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer em Cristo, que defendem modelos empresariais de gestão, um amplo uso da mídia e pregam a chamada Teologia da Prosperidade, segundo a qual sinais de riqueza exterior são indicativos do amor divino.
Os ideais pentecostais foram além do protestantismo para influenciar até a Igreja Católica, levando ao surgimento do movimento de Renovação Carismática Católica. Os carismáticos utilizam músicas de louvor a Deus e costumam participar de missas de cura e libertação.
Um dos mais célebres expoentes da doutrina no Brasil é o padre Marcelo Rossi.
Para Luis Lugo, os números dos ”renovacionistas” no Brasil são ”impressionantes”, porque ”um total de 8 em cada 10 protestantes brasileiros se identificam como sendo pentecostais e 1 em cada 2 católicos se dizem carismáticos”.
Lugo diz que o que mais caracteriza esse grupo ”é a intensidade de sua fé, que se manifesta com mais força que em qualquer outra denominação cristã”. No entender do pesquisador, alguns itens do estudo reforçam essa tese.
Ele cita, por exemplo, o número de brasileiros pentecostais que acreditam ter recebido uma resposta divina para suas orações, que é o mais elevado entre todos os países pesquisados: 95%. Nesse quesito, o país supera, entre outros, os pentecostais do Quênia (94%), Guatemala (92%) e Estados Unidos (77%).
No entender do pesquisador, o estudo derruba mitos, como o de que carismáticos ou pentecostalistas são apolíticos. Segundo a pesquisa, 65% dos pentecostais brasileiros acreditam que grupos religiosos devem expressar visões políticas. No mesmo quesito, 61% dos católicos carismáticos pensam da mesma forma.
Para Lugo, ”basta olhar a quantidade de parlamentares evangélicos no Brasil para ver que não se trata de um grupo apolítico”. O pesquisador lembra ainda ”a maneira como o presidente Lula cortejou este grupo tanto na última eleição como na mais recente”.
Uma das surpresas do estudo é, inclusive, o índice elevado de carismáticos que defende o engajamento político. O movimento normalmente não é associado a atividades políticas, visto que surgiu como uma reação à Teologia da Libertação, tendência que introduziu ideais marxistas no catolicismo e que incentiva a participação política do fiel.
”A Teologia da Libertação costumava dizer que fez uma opção preferencial pelos pobres, mas os carismáticos parecem ter descartado isso e feito uma opção preferencial pelos rituais pentecostalistas”, comenta Lugo.
De acordo com o pesquisador, a Igreja Católica enfrenta um dilema no Brasil.
”O Brasil é um país predominantemente católico, mas um ramo cada vez maior do catolicismo está sendo influenciado pelo pentecostalismo. A Igreja talvez nem sempre veja com bons olhos essa influência, mas se ela demonstrar uma reação contrária muito forte, pode acabar fazendo com que estes fiéis abandonem o catolicismo para se tornar protestantes pentecostais”.
Para Lugo, este impasse deverá dominar as futuras discussões sobre os rumos do catolicismo no Brasil. O pesquisador diz estar certo de que este será um dos temas dominantes no quinto encontro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em maio de 2007, em Aparecida, no interior de São Paulo.