Quem dá conta das coisas do barraco e da prole é mesmo a mulher. É ela quem sente o embrulho do estômago vazio e sai à rua pra ver se acha alguma ajuda, a bater na porta de um e de outro.
Quem dá conta das coisas do barraco e da prole é mesmo a mulher. É ela quem sente o embrulho do estômago vazio e sai à rua pra ver se acha alguma ajuda, a bater na porta de um e de outro.
Como uma rolinha em tempos de seca, ela sai em busca da sobrevivência. É a luta contra esse dragão da fome, um mal que assola, humilha e tira todas as esperanças de cidadania. O marido desempregado fica dentro de casa envergonhado porque nem todos levam jeito pra mendigar; quer mais que apareça algum serviço, e quem dera aparecesse um com carteira assinada.
Outro dia, no Rio de Janeiro, um desempregado, olhando pro Cristo Redentor, estava querendo pular de precipício abaixo. E gritava: abaixo de Deus, a pátria! Abaixo a tirania! Foi então que apareceu alguém e lhe apoiou, dizendo que realmente o problema não era dele nem de Deus, e sim da república.
O cidadão desistiu de se matar e caiu em prantos, pedindo desculpas a Deus. Dizia que a fome dava vontade de roubar, mas não tinha coragem e resolveu se matar. Este ato gerou comentário na favela, porque para eles, pobre é que nem certos políticos brasileiros, têm demência, e não crise existencial.
Naquele mesmo dia, no Rio, um turista na praia fotografava ao lado de um homem estendido no chão. É incrível como Rio e São Paulo, as cidades mais ricas do Brasil, são também as de maior miséria e as mais indiferentes ao caos social. Neste estado de indignidade, o homem nivela-se quase aos animais, a única coisa que ele sente nas entranhas é o instinto da fome. E seu único alento talvez seja a cachaça que o faz delirar.
Quem consegue pular a linha da miséria procura uma viração, como certo sujeito exilado do interior que vende caldo de cana nas ruas de Maceió. Ele diz ter fugido da crise do campo e afirma que a vida por aqui é muita cara; é só amargura. Mas que não dá mais pra voltar. Só lhe resta o velho dilema, se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Ele nem sabe que o poeta Drumonnd pensou nele quando escreveu:” E agora, José? José para onde? “E se Drumonnd viesse com aquela de que tem sempre uma pedra no caminho, ele na sua santa ignorância responderia que, nesta vida de sol a sol, o pobre não tem uma pedra no caminho, mas uma pedreira.
Nestes tempos de bolsa escola, o que todos os excluídos aspirariam era um natal de” bolsa emprego”, é o mínimo que o desempregado pode pedir. Porque ninguém pediu pra nascer, mas todo mundo pede ao país para sobreviver. Pedem frentes de trabalho, concursos públicos massificados de baixos salários; investimentos com compromisso social; pedem finalmente o fim dos marajás e de toda corja de agentes políticos corruptos e tecnocratas insensíveis.
E que o saco do rico papai Noel traga dentro um contrato de trabalho para os pais, e escola boa pros meninos e saúde decente para todos. Que nos sinos de Belém, toda essa gente privilegiada deste pindorama entenda a mensagem do menino Jesus e deixe de ser tão egoísta e tão hipócrita com seu povo, e enxergue de uma vez por todas que o Haiti também é aqui.