A classe política brasileira sofreu transformações importantes nos últimos anos. Por si só, a eleição de Lula para presidente da República em 2002, um ex-operário e ex-líder sindical, um cidadão com escolaridade mínima, representou a ruptura com o padrão histórico de circulação de elites e, sobretudo, marcou de forma simbólica a aproximação da população à política institucional.
A classe política brasileira sofreu transformações importantes nos últimos anos. Por si só, a eleição de Lula para presidente da República em 2002, um ex-operário e ex-líder sindical, um cidadão com escolaridade mínima, representou a ruptura com o padrão histórico de circulação de elites e, sobretudo, marcou de forma simbólica a aproximação da população à política institucional.
No curso de 20 anos de democratização, uma das mais importantes mudanças na cultura política do eleitorado brasileiro foi a aceitação da esfera política e dos cargos públicos como espaços inclusivos dos setores populares, superando preconceitos, como a associação entre níveis mais altos de formação e escolaridade e a competência para fazer política. O ingresso do PT no Executivo nacional redimensionou o padrão de ocupação do Estado e das burocracias públicas, mas essa mudança teria também ocorrido com o perfil da representação política? O Legislativo federal eleito em 2002 também teria sofrido mudanças e passou a retratar com maior proximidade a composição social da sociedade brasileira?
O livro de Leôncio Martins Rodrigues "Mudanças na Classe Política Brasileira" vem em hora oportuna responder a essas questões. Com uma valiosa pesquisa sobre as fontes socioocupacionais de recrutamento para a vida pública e parlamentar entre 1998 e 2002, o trabalho aponta que as eleições de 2002 acentuaram a "popularização" da classe política brasileira, e não só mudaram a composição social da elite governante mas também ampliaram o acesso a representantes oriundos sobretudo das classes médias assalariadas à Câmara dos Deputados.
Com base nos perfis dos parlamentares e suas declarações patrimoniais, além de jornais, revistas e referências histórico-biográficas, Rodrigues elaborou um perfil dos grupos socioocupacionais da 51ª (1998) e da 52ª (2002) legislaturas, analisou as mudanças partidárias na Câmara, e as suas conclusões são instigantes para entendermos a mudança social recente na política nacional.
Essa mudança, no entanto, tem tamanho reduzido. Vamos a algumas conclusões centrais. A rigor, em termos gerais, as principais fontes de recrutamento da classe política na Câmara continuam sendo os conjuntos profissionais e ocupacionais tradicionais do recrutamento político: empresários, profissionais liberais, a alta burocracia pública e os professores, estes vindos sobretudo do magistério superior. Esses são os grupos que sempre abasteceram o pessoal político brasileiro, e as pequenas variações entre os eleitos das duas legislaturas nos subgrupos de ocupações e profissões mostram que, apesar de algumas perdas importantes no espaço ocupado por setores das classes altas, sobretudo aqueles associados ao empresariado rural, as alterações não foram tão significativas. Como Rodrigues coloca, ocorreram mudanças, "mas nenhuma revolução social".
Os dados das denominadas "fontes secundárias de recrutamento", sobretudo os pastores e os comunicadores, trazem um interessante panorama das mudanças da política representativa. Mesmo com um impacto numérico pequeno sobre a composição total da Câmara nas duas legislaturas, a entrada desses grupos no Legislativo reflete, de um lado, as conseqüências políticas do forte movimento de expansão das igrejas evangélicas sobre amplas camadas sociais. De outro lado, reflete os efeitos da simbiose entre a política e a mídia, não só como uma combinação profissional dos pastores mas sobretudo como um dos efeitos da era da comunicação de massa sobre as grandes democracias.
O exame da composição das ocupações é cuidadoso, abrange profissionais e técnicos dos distintos setores da economia, além dos políticos, propriamente ditos. Mas Rodrigues confere especial atenção ao papel dos sindicalistas e ao expressivo crescimento da "bancada sindical", indicando que boa parte das mudanças ocorridas deve-se ao avanço da esquerda e em específico, do Partido dos Trabalhadores na Câmara. Fica claro que a movimentação partidária de 2002 acelerou o encolhimento dos partidos de direita na Casa.
Rodrigues mostra que os canais de participação e inclusão no sistema de poder estão mais abertos aos setores populares e esse fator, por si só, mostra que a consolidação do sistema democrático no país está em curso. Se a leitura já era importante para conhecer as mudanças recentes, passa a ser obrigatória para avaliar o impacto das eleições legislativas de hoje.
Folha Online