A crise hídrica está trazendo de volta para alguns lares um item que já dominou as cozinhas em décadas passadas mas que, a partir dos anos 90, começou a perder espaço no mercado e passou a ser considerado até mesmo “demodê”. Trata-se do filtro de barro, com filtragem por gravidade. O da casa da vovó. Aquele conjunto de dois recipientes de cerâmica vermelha, equipado com vela filtrante, no qual a água filtrada passa por um sistema lento de gotejamento.
“Ele é meio vintage, mas nunca saiu de moda. O que está acontecendo agora é que quem está sentindo a necessidade de ter água armazenada voltou a comprar”, afirma Emilio Garcia Neto, diretor superintendente da Cerâmica Stéfani, empresa que domina o segmento e que fabrica desde 1947 o filtro São João, o mais conhecido do gênero.
Segundo a empresa, as vendas cresceram 19% nos últimos 6 meses. Com o aumento da procura, a fabricante projeta um faturamento de R$ 30 milhões em 2015, ante uma receita de R$ 26 milhões no ano passado.
“Realmente a crise hídrica aumentou a procura pelos nossos produtos. A falta de água, a seca, esse aumento do preço da energia, tudo isso tem contribuído”, diz o executico.
Entre as principais vantagens e diferenciais do filtro de barro, está o baixo custo de manutenção e a capacidade de refrescar a água de modo natural, sem gasto de energia elétrica. Isso porque a cerâmica diminui a temperatura da água, em média, em até 5 graus centígrados.
“Essa é a grande vantagem, você bebe uma água fresquinha, o que não acontece no filtro plástico ou na água de garrafão”, explica Garcia Neto.
Quando comparado aos chamados filtros de pressão, ligados direto no encanamento, o modelo se diferencia pela disponibilidade de água filtrada a qualquer momento do dia, mesmo se faltar água encanada. “Muitos têm se queixado da qualidade da água que está chegando pela rede pública e, quando se usa o filtro de pressão, quando não têm água no registro, não há água para beber”, acrescenta.
O filtro de barro como conhecemos é uma criação brasileira do início do século 20 e, apesar das mudanças nas preferências e nos costumes dos consumidores, continua sendo apontado por especialistas como uma das maneiras mais eficientes de se filtrar água no mundo.
Certificação máxima no Inmetro
O tradicional filtro São João, o mais vendido até hoje pela Stéfani, recebeu a classificação P1 do Inmetro, a melhor, concedida aos purificadores que retêm as menores partículas.
“Em termos de custo benefício não tem melhor. Em termos de retirada de partículas, o nosso filtro atingiu o melhor índice de certificação dentro do Inmetro. Ele retém partículas menores que um mícron. Ou seja, mil vezes menor que um grão de areia”, afirma o diretor da Cerâmica Stéfani.
A marca mantém um sistema de distribuição em o todo território nacional e exporta para outros 45 países. Hoje, cerca de 12% do faturamento vem das exportações. Mas precisou se reiventar para dar a volta por cima depois de sucessivos prejuízos após os consumidores passarem a substituir seus filtros por galões de água mineral ou aparelhos que filtram e refrigeram ao mesmo tempo.
Em 1990, 57,2% das residências brasileiras possuíam algum modelo de filtro, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já em 2013, 51,3% possuíam o produto.
A mudança de costume pode ser vista também nas construções. No passado, havia um item quase que padrão nas cozinhas: a cantoneira, ou então o aparador de pedra, fixado na parede, feito exclusivamente para abrigar o filtro.
Apelo ecológico
Para se reposicionar no mercado, a Stéfani passou a promover os filtros de barro como uma alternativa mais econômica e ecologicamente correta de obter água potável e passou a fabricar modelos mais práticos, com partes em acrílico, que facilitam a limpeza e o enchimento, e também filtros mais potentes, capazes de retirar também o cloro. Os modelos mais baratos custam a partir de R$ 100.
A empresa reforçou também a sua presença nos canais de distribuição e estudo agora abrir até mesmo uma loja virtual.
De um pico de 65 mil filtros vendidos por mês, em 1992, o número recuou para quase 10 mil. E agora tem ficado entre 16 mil a 18 mil unidades por mês. Toda a produção é feita na fábrica localizada em Jaboticabal, no interior de São Paulo. Uma parte do processo é mecanizada, mas o acabamento, a finalização das peças ainda é toda feita manualmentel.
O carro chefe da empresa, no entanto, são os elementos de reposição, as velas de cerâmica, o “coração do filtro, cuja recomendação do fabricante, é para que a troca ocorre sempre a cada 6 meses, em média.
“Só de velas, vendemos cerca de 500 mil por mês. O filtro tem uma vida muito longa. Às vezes, dura 10, 12, 15 anos. O pessoal costuma dizer que quanto mais velho, mais gostosa fica a água”, destaca Garcia Neto.