Brasileiros tiram o pouco que têm na poupança para pagar contas
25/05/2015 14:24
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Sônia Silva veio do Norte de Minas trabalhar em Belo Horizonte. Na função de empregada doméstica, ela recebe cerca de R$ 1.500 por mês e usa parte do seu salário para pagar suas despesas. O restante envia para os dois filhos, ainda crianças, que moram no interior com sua mãe. Como grande parte da população brasileira, Sônia vive sem reservas, seja para realizar planos de longo prazo ou socorrer emergências. A taxa de poupança doméstica do Brasil é uma das menores entre os países emergentes, e em momentos de crise, agravando o quadro, parte dos brasileiros tende a queimar a magra reserva.
A poupança doméstica reúne o que as famílias, empresas, instituições e o governo de um país conseguem guardar em diversas aplicações. Esses recursos formam os fundos que financiam as pessoas e as empresas, os investimentos, essenciais para que o país possa crescer. De janeiro a abril, a caderneta de poupança, aplicação preferida do brasileiro, e um bom termômetro para entender o comportamento em momentos de crise, perdeu cerca de R$ 29 bilhões, e, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o fechamento da conta em 2015 pode terminar negativo em R$ 50 bilhões.
“Neste momento, a poupança está sendo consumida para fazer frente a compromissos familiares e empresariais”, diz Eduardo Nery, especialista em desenvolvimento sustentável e diretor da Energy Choice. Segundo ele, em menor escala, a poupança também sofre a concorrência de títulos públicos, valorizados com as taxas de juros em alta. “Essa é a parte boa, porque são investimentos de médio e longo prazo, que contribuem para a formação de poupança interna.”
Consenso entre especialistas, a taxa de poupança doméstica do Brasil precisa voltar a crescer. Com uma média próxima a 14% do Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil está abaixo da média mundial de poupança doméstica, apurada pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 25%, e também dos países desenvolvidos, onde a poupança se situa entre 27% e 28% do PIB. Em emergentes asiáticos, como na China, esse percentual pode superar 40%. “Apesar de na China os salários serem baixos, a população gasta muito pouco.”
Incluída na menor fatia da população, formada por poupadores convictos, a cirurgiã-dentista Helene Louise Costa, de 28 anos, prefere se precaver. Antes mesmo de se formar na universidade, ela abriu uma caderneta de poupança que completa 10 anos. Disciplinada, Helene faz aportes mensais e pretende poupar por pelo menos mais cinco anos. Sua meta é comprar a casa própria. “A rentabilidade da caderneta é baixa. Existem aplicações mais atrativas, mas a poupança é mais simples e prática”, afirma. Helene tem dúvidas se o seu recurso ajuda o país a crescer ou, se para o Brasil, o melhor seria que todo o dinheiro fosse investido na compra de bens.
Diferentemente do que ocorre na China, no Brasil, tanto o governo quanto as famílias gastaram muito nos últimos anos, sustentando o crescimento pela via do consumo, mas pouparam pouco, o que, respondendo à dúvida de Helene, compromete o avanço do país. Além da educação financeira, no Brasil existe uma questão prática nos fluxos das famílias. Sônia Silva tem uma conta de poupança aberta, sem dinheiro algum. “Em 2010, cheguei a juntar R$ 2 mil para comprar móveis.” Agora, ela diz que, mais do que fazer compras, pretende voltar a poupar para construir uma pequena casa na região de onde veio.
MOTIVOS “No Brasil, os salários são baixos e os custos, muito altos. Por que a energia elétrica aqui é a terceira mais cara do mundo, se a fonte é hidráulica? Os impostos respondem por 42% da tarifa”, aponta o economista representante de Minas no Conselho Federal de Economia (Cofecon), Eduardo Nery. Para ele, o caminho para aumentar a poupança doméstica é expandir a capacidade produtiva do país, reduzindo custos e burocracia. “O desemprego também é um fator que pressiona a poupança, já que, ao ser demitido, o trabalhador saca o seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), recurso que financia o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”, diz Nery.
Outro fator que pesa no baixo percentual de poupança no Brasil é a demanda reprimida. “O aumento da renda disponível das famílias teve concentração na baixa renda, o que contribuiu para o crescimento do país pelo consumo”, aponta o economista. Segundo ele, essa é uma tendência natural quando há aumento da renda. Além disso, o brasileiro, diferentemente de asiáticos, não tem desenvolvido o hábito da poupança.
PESQUISA Estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Ibope revela que apenas três a cada 10 brasileiros poupam. A parcela cai para 17% quando considerada a renda familiar até um salário mínimo e sobe para 66% entre aqueles com renda superior a 10 mínimos.
BASE PARA INVESTIMENTOS A caderneta de poupança brasileira é a base para projetos de curto, médio e longo prazo da população, e principal fonte de recursos para financiamento da habitação. A poupança doméstica financia os projetos de infraestrutura e as empresas, que geram emprego, renda e crescimento para o país. Sem os recursos, é como se o país ficasse preso a uma armadilha, sem sair do lugar.
Sem reservas e em momentos de crise, resta ao país recorrer a recursos externos. “É o que está acontecendo. O Brasil fechou acordo com a China, para que o país asiático, que tem alta taxa de poupança, invista no Brasil”, diz Eduardo Nery, especialista em desenvolvimento sustentável e diretor da Energy Choice, referindo-se a 35 acordos firmados entre o governo brasileiro e a China, que totalizam mais de US$ 53 bilhões (cerca de R$ 161 bilhões) em investimentos.
Róridan Duarte, representante de Minas no Conselho Federal de Economia (Cofecon), diz que a poupança deve ter a medida certa. Segundo ele, o percentual brasileiro deveria engordar, aproximando-se a 20% do Produto Interno Bruto (PIB). “O percentual brasileiro precisa crescer, já o Japão, tradicionalmente conhecido por ter alta taxa de poupança, enfrenta problemas em sua economia, como a deflação.” Duarte também ressalta que, apesar de no país a taxa de poupança ser baixa, o brasileiro poupa também com outros meios que não entram diretamente no cálculo da reserva, por exemplo, comprando a casa própria.
Você tem poupança ou qualquer tipo de aplicação financeira?
Francisca Barbosa, 57 anos, comerciante
“Não tenho nenhum tipo de aplicação financeira. Nem caderneta de poupança. O que ganho hoje é para pagar a conta de amanhã. Está tudo muito caro no Brasil. Os preços estão subindo muito. Minha conta de luz, por exemplo, veio R$ 90 num mês e R$ 120 em outro. Não me sobra recurso.”
Leda Soares Val, 70 anos, artista
“Deposito todo mês nem que seja um pouco na
conta-poupança. Se a gente não poupar dinheiro, ele voa, porque está tudo muito caro. O recomendável é a pessoa gastar menos do que ganha, para não ficar inadimplente.”
Luís Gustavo Amado, 26 anos, repositor
“Fiz uma aplicação financeira com objetivo de retirar o dinheiro, num prazo de cinco anos, para construir minha casa própria. Temos que pensar no futuro. Pago um pouco por mês e, no fim do contrato, vou retirar um valor que considero importante. Vale a pena.”