Thalita Rocha Costa tinha 9 anos quando sofreu bullying. Aconteceu em uma escola particular do Recife. As abusadoras, todas meninas, roubavam-lhe o dinheiro do lanche. Na hora do banho de piscina, chamavam a colega de baleia. Aos 17 anos, Thalita não esquece os abusos. A urticária crônica adquirida na época vez por outra ressurge diante de alguma emoção. Deixa a pele avermelhada e os lábios inchados. Dia desses, a estudante viu uma das abusadoras na fila do banco. Não se incomodou como no passado. Está ocupada com uma viagem especial.
O embarque acontece no próximo dia 29. O destino é a Universidade de Harvard, em Cambridge, nos Estados Unidos, uma das mais prestigiadas do mundo. Em janeiro, Thalita recebeu, por email, a notícia de que havia sido aceita como estudante no curso de medicina da instituição. Terá um apartamento equipado só para ela no campus, além de bolsa de estudos integral. Serão nove anos dedicados à formação superior. O fato é que a jovem aprendeu com o bullying a transformar raiva e angústia em superação. Na verdade, se Thalita não tivesse passado pelos abusos, poderia não ter conquistado a vaga em Harvard.
O bullying empurrou Thalita para outro colégio. No processo de escolha da nova escola, a família pensou na possibilidade de buscar uma vaga em uma unidade pública de qualidade. “Imaginamos, na época, que eu poderia me beneficiar com programas ofertados nas escolas estaduais, como viagens e bolsas de estudo”, lembra Thalita. A jovem cursou do 5º ao 8º ano no Liceu de Artes e Ofícios. O ensino médio foi no Ginásio Pernambucano.
As notas altas sempre fizeram a diferença. Eram um dos motivos do abuso na escola. Também foram decisivas para Thalita, como aluna do estado, ser selecionada em um curso de inglês na ABA e no Ganhe o Mundo, programa de intercâmbio da Secretaria Estadual de Educação. Embarcou no ano passado, no segundo ano do ensino médio, para estudar uma temporada no Arizona Lutheran School. “Um dia, na hora do intervalo, peguei um folder da Universidade de Harvard para ler. O diretor da escola se aproximou e perguntou qual o meu sonho. Respondi que queria estudar em Harvard”, lembra.
O diretor fez os testes com Thalita e encaminhou uma carta de recomendação a Harvard com os resultados dos exames. “Achei os testes fáceis, mas não imaginava que passaria”, conta a estudante, surpresa. Ela obteve nota para ingressar em seis universidades.
Filha de um protético e de uma secretária aposentada, Thalita é a mais nova dos três filhos do casal e a única a dividir o teto com os pais. A mãe, Suely Rocha Costa, 52, passará o primeiro mês com a filha nos EUA. “Depois, temos autorização para irmos três vezes por ano”, planeja. O pai, Josedi Costa, 57, esconde as lágrimas quando o assunto é o embarque. A filha fará falta.