O “não” do povo grego ao plebiscito sobre austeridade fiscal causou sobressaltos nas principais economias mundiais. Aqui no Brasil, os temores em relação ao futuro da Grécia, que pode deixar a zona do euro e arrastar a Europa para uma crise sem precedentes, provocou uma queda de 0,7% no Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, que fechou no menor patamar desde 31 de março.
Embora os efeitos ontem no Brasil tenham se restringido à bolsa de valores, a crise grega pode causar uma onda de volatilidade nos mercados internacionais, o aumento da aversão ao risco, com impactos negativos no ritmo de crescimento de economias emergentes, como o Brasil, e elevações no custo de vida.
Segundo o analista de mercados e de economia internacional da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto, “a situação brasileira do ponto de vista econômico é tão delicada que a crise grega seria uma questão a mais para ajudar a complicá-la”. Isso ocorre, segundo ele, porque o efeito maior da decisão dos gregos de romper as negociações com credores gera pressão pontual em ativos internacionais como câmbio e juros, além dos impactos, por exemplo, em captações externas.
Mas, de acordo com Campos Neto, a contaminação de uma eventual saída da Grécia da zona do euro para países emergentes como o Brasil é bem menor do que há três anos, justamente porque o risco de contágio na União Europeia também foi reduzido.“Irlanda, Portugal e Espanha, por exemplo, fizeram lição de casa e a turbulência é muito menor, como uma consequência no Brasil menos intensa”, disse. Entretanto, complementa ele, a saída de um país da zona do euro, caso ocorra, por ser inédita, “pode gerar consequências imprevisíveis e é preciso cuidado”.Para Carlos Kawall, economista-chefe do banco J. Safra, apesar de a Grécia não afetar o Brasil diretamente, as incertezas sobre o futuro do país europeu geram turbulências nos mercados. “Medidas como o controle de capital, fechar bancos e um referendo no qual ninguém sabe direito o que perguntarão adiam o desfecho das questões”, disse.
O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero compara as reverberações de um possível calote grego com o da moratória argentina de 2001. Em um primeiro momento, houve grande turbulência nos mercados da região. Com o tempo, porém, esse efeito se dissipou. “No fim, foi um desastre principalmente para a Argentina, que nunca mais voltou aos mercados financeiros internacionais”, disse ele.Para Ricupero, o problema para o Brasil é que hoje o país está em uma situação tão crítica “que qualquer coisa que piore o desempenho da economia mundial certamente é ruim para o país”. Com os investidores internacionais receosos, o Brasil poderia ter que pagar juros mais altos, diz.
Efeitos no epicentro
Os bancos gregos permanecerão fechados até amanhã e o limite diário de saques permanecerá em 60 euros, informou o líder da associação de bancos gregos, Louka Katseli. “Decidimos estender o feriado bancário por dois dias”, disse ele após reunião com representantes do Ministério de Finanças e do setor bancário. Os gregos estão contendo ao máximo os gastos e acompanhando os desdobramentos da vitória do “não” no domingo.O dinheiro disponível vai para comida, remédios, cigarro e gasolina. A maioria dos postos não está mais aceitando cartões.
“Ninguém está pagando contas de luz, gás, aluguel. O dinheiro vai só para os gastos diários essenciais. Minha mãe gasta metade da pensão dela com remédios”, conta o policial Dimitris Chatzis, 47, depois de esperar na fila para sacar 50 euros de um caixa automático. A cota de 60 euros diários que cada grego tem direito a sacar desde a semana passada foi reduzida, na prática, a 50 euros porque as notas de 20 euros nos caixas eletrônicos se esgotaram. As lojas do comércio em Atenas estão vazias.
Sob pressão, governo apresenta nova proposta hoje
Um dia depois da vitória do “não” no plebiscito sobre austeridade fiscal, o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, prometeu apresentar, hoje, uma nova proposta de acordo com os líderes da União Europeia. Ele aceitou a renúncia do ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, como forma de abrir caminho para as negociações. Seu substituto é Euclid Tsakalotos, que até ontem desempenhava o papel de chefe das negociações do governo grego com os credores. Internamente, Tsipras passou o dia reunido com os líderes dos principais partidos gregos, inclusive os de oposição, e recebeu deles apoio para uma nova proposta de acordo com os credores gregos. “Devemos nos esforçar para algo melhor para os gregos”, disse o novo ministro, Tsakalotos.
O novo ministro de Finanças é economista e tem 55 anos. A porta ainda está aberta para negociações de um novo acordo de resgate da economia grega, mas o tempo está acabando, avisaram a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande, ontem, 24 horas após a vitória do “não” no plebiscito antiausteridade. Em um pronunciamento conjunto de pouco mais de cinco minutos, Merkel disse que ainda não há base para a negociação e destacou mais uma vez que é preciso combinar solidariedade e responsabilidade. “Temos muito pouco tempo. Precisamos que as propostas da Grécia cheguem à mesa”, disse. “Agora cabe a Tsipras fazer propostas sérias, com credibilidade, para que o desejo dos gregos de permanecer na zona do euro seja realizado”, disse Hollande.
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, disse ao primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, que o Fundo não pode dar mais dinheiro ao país antes que ele resolva as contas pendentes, segundo uma porta-voz. Lagarde explicou a incapacidade do FMI de desembolsar mais dinheiro, “mas ofereceu-se a fornecer assistência técnica quando requisitada pelas autoridades gregas”, afirmou a porta-voz em comunicado.
Perguntas sobre a crise
Qual é a situação da Grécia?
Desde 2010, a Grécia vem recebendo ajuda financeira da Comunidade Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. O país já recebeu mais de € 140 bilhões em ajuda dessas entidades e uma nova parcela estava prevista, desde que o país adotasse mais medidas de austeridade, como o aumento de impostos e o corte nas aposentadorias. O governo grego se recusou.
Como eles chegaram a isso?
A Grécia gastou bem mais do que podia e pediu empréstimos volumosos para financiar suas despesas. O resultado é que o país ficou refém da crescente dívida. Nesse período, os gastos públicos dispararam, com os salários do funcionalismo praticamente dobrando.
Quais os próximos passos?
O governo grego espera conseguir negociar em condições mais favoráveis um empréstimo junto aos europeus. Já o FMI não deve conceder mais empréstimos ao país por conta do calote de junho.
O que acontece se a Grécia deixar o euro?
Para a Grécia, esse resultado pode gerar ainda mais crise e desemprego. Para o resto da Europa, a saída cria um precedente arriscado, pois abre caminho para que outros países em dificuldade sigam pelo mesmo caminho.