O Cadastro Nacional de Adoção já conta com pretendentes estrangeiros. Os primeiros 16 entraram na fila à espera de uma criança do país nos últimos dias, de acordo com a Corregedoria Nacional de Justiça.
Apesar de uma resolução permitindo a inclusão de residentes no exterior ter sido aprovada há mais de um ano pelo Conselho Nacional de Justiça, ela só foi colocada em prática agora, após a reformulação da ferramenta, em maio deste ano. O novo cadastro simplifica operações e possibilita um cruzamento de dados mais rápido.
A expectativa é que a medida interrompa a curva de queda nas adoções internacionais. O número registrado em 2014 é o menor desde 1999. Foram 126 registros, ante 217 em 2013.
Antes da inclusão no cadastro, os estrangeiros precisavam se habilitar nas comissões específicas dos tribunais de Justiça e ficavam restritos às crianças disponíveis nos estados em questão – périplo similar ao enfrentado pelos adotantes nacionais antes da implementação da ferramenta, em 2008. Agora, os residentes no exterior terão acesso a todas as crianças aptas no país. São 5.561 hoje.
A resolução do CNJ diz que a adoção internacional só será realizada após esgotada a possibilidade da adoção nacional, mas “representa uma oportunidade para infantes acolhidos serem colocados em uma família substituta”.
Para George Lima, coordenador-geral da Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além da maior possibilidade de adoções nos próximos anos, a medida deixa o processo mais transparente. “É importante que haja um critério, o que já existe para os pretendentes do país. Se um residente no exterior for incluído antes, por exemplo, vai ter preferência em relação a outro na mesma situação.”
Além do advento no cadastro, outro fator que deve alavancar o número de adoções, segundo Lima, é a recente admissão de quatro entidades dos EUA na Acaf, que é o órgão responsável por credenciar entidades que ajudam a intermediar as adoções.
O coordenador-geral da Acaf refuta a hipótese de que exista um receio crescente com casos de tráfico humano que faça diminuir o número. “Faz parte de um senso comum acreditar que a adoção internacional é o mesmo que entregar a criança para um desconhecido. E pelo contrário: ela é muito mais supervisionada e fiscalizada que a adoção nacional. Há um prazo de dois anos de acompanhamento. Trata-se de um processo muito seguro se feito de acordo com a legislação.”
A expectativa de que mais crianças ganhem uma nova família se explica pelo perfil pretendido pelos estrangeiros, que não fazem tanta restrição quanto à idade e a grupo de irmãos como os brasileiros. Segundo o cadastro, só 6% dos pretendentes aceitam crianças de 7 anos ou mais – sendo que elas representam 88% do total (veja outros números na página especial).
Perfil estrangeiro
Dados da Associazione Italiana Pro Adozione, tabulados a pedido do G1, mostram que, de um universo de 554 adoções internacionais feitas desde 1998 com a ajuda da entidade, 62% envolveram crianças de mais de 7 anos. As menores, no entanto, quase sempre estavam ligadas a algum irmão mais velho. Mais de um terço das adoções foi feita com um grupo de irmãos. Além disso, 68% das crianças eram pardas ou negras. E entre os adotados havia deficientes e soropositivos.
Para Schweitzer, se muitas vezes falta capacitação aos adotantes nacionais, sobra preparação aos estrangeiros. “Eles estão acostumados a grandes conflitos, catástrofes e formam um sentimento diferente daqui. Eles trocam a questão apenas do gestar, por exemplo.” George Lima concorda. “São países com taxa demográfica muito pequena e um envelhecimento geracional muito grande. Isso também cria uma percepção na população da não necessidade de impor barreiras para a adoção.”
História de sucesso
É o caso dos italianos Massimiliano Simei, de 46 anos, e Lia Carosi, de 49 anos. Depois de anos tentando ter filhos de todos os modos, eles resolveram ir atrás do desejo já existente de adotar uma criança. Desencorajados pela burocracia e relatos de experiências ruins na Itália, os dois resolveram tentar mudar sua sorte no Brasil – o avô de Lia é brasileiro.
Hoje os dois são pais de Fernando, de 8 anos, que vivia em um abrigo no Brasil e agora mora com sua nova família em Monterotondo, uma pequena cidade nas proximidades de Roma. Entre conseguirem a autorização para a adoção e levarem Fernando para casa passaram-se cinco anos.
“Não tivemos restrições à cor da pele, pelo contrário, esperávamos que ele fosse diferente de nós. Aceitamos doenças curáveis. Inicialmente esperávamos uma criança em idade pré-escolar, para uma adaptação mais fácil”, explicou Massimiliano ao G1. “Mas depois, passando o tempo, vivendo a experiência dos trâmites e amadurecendo a nossa consciência de que o amor poderia nos ajudar a enfrentar qualquer experiência, pedimos que nossa idade limite aumentasse.”
Os dois vieram para o Brasil e passaram dois meses aqui convivendo com o menino – “os mais belos de nossas vidas”, segundo o italiano. Os primeiros dias na Itália, em 2014, foram difíceis, mas logo superados. “Ele é uma criança muito determinada, e conseguiu enfrentar sua nova vida com alegria e otimismo.”
Fernando já fala italiano e ainda entende bem o português, mas não costuma falar – ele diz não conseguir se lembrar das palavras. O casal tem planos de colocá-lo em aulas de português, para que ele não perca a língua pátria. “Enquanto isso, eu estou estudando regularmente português na embaixada brasileira em Roma, e meu objetivo é passar no exame de proficiência.”
O casal tem o cuidado de falar de maneira serena sobre o passado do filho, inclusive de seus pais biológicos quando ele quer, e o ajuda a compreender a situação. “Ele é inteligentíssimo, de bom coração, generoso, sabe conquistar as pessoas. Seu primeiro ano na escola foi um pouco cansativo, mas ele passou e encantou os professores. Ele é muito exigente consigo mesmo, e eu e sua mãe tentamos fazê-lo entender que ele não precisa ser perfeito, mas deve ser sereno e feliz”, contou Massimiliano.
As duas irmãs mais velhas de Fernando acabaram sendo adotadas por uma outra família italiana, e vivem em Piacenza, a cerca de 500 km de Roma. Eles ainda não se encontraram, mas mantêm contato com os pais das meninas.
O casal quer adotar mais uma criança – um desejo próprio e também um pedido de Fernando, que pede um irmão para brincar. A família está com viagem marcada novamente para o Brasil, onde espera encontrar seu segundo filho e ficar ainda mais completa.