Um grupo de pacientes soropositivos e portadores de deficiência procurou o promotor dos Direitos Humanos, Flávio Costa, na tarde desta segunda-feira (21), para reclamar da suspensão dos cartões que dão direito ao transporte gratuito nos ônibus de Maceió. Isso ocorre desde março deste ano, quando entrou em vigor a Lei, de autoria do Executivo Municipal, que restringe a gratuidade do cartão de ônibus aos portadores de Aids, em sua manifestação mais grave da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).
A mudança pode atrapalhar o tratamento de pessoas vivendo com Aids e preocupa as secretarias Municipal e Estadual de Saúde. De acordo com a coordenadora do Programa DST/Aids da Sesau, Mona Lisa dos Santo, falta um ajuste na Lei, para que ela atenda às necessidades dos pacientes. “As pessoas para quem a lei dá direito ao transporte, são os pacientes que precisam mais de leitos em hospitais, que de transporte. Estas pessoas já estão em estado grave da doença. Precisamos que os pacientes diagnosticados tenham a garantia do tratamento para evitar que manifestem a Aids”, disse a técnica da Sesau.
O coordenador do Programa DST/Aids do município, Samuel Delane, também se mostrou preocupado e disse que a lei vai de encontro ao que prega a saúde pública. “Quando o paciente é diagnosticado com o vírus, ele começa o tratamento imediatamente para não desenvolver a Aids. Sem ter condições de se deslocar para o tratamento, existe o risco de aumentar o número de casos de Aids”, alertou Samuel.
Questionados sobre a demora na reclamação do fato, os pacientes explicaram que só no momento de renovar o cartão descobriram que a lei vigorava. “Fui renovar e minha carteira foi recolhida. Para voltar para casa, eu tive que conversar com o motorista, porque estava sem dinheiro. Eu até tenho alguma condição e ir fazer meu tratamento e pegar os medicamentos, mas muita gente não tem e pode não ter como se tratar”, disse uma paciente, que preferiu não revelar a identidade.
Outro soropositivo protestou e entregou seu cartão de ônibus ao superintendente da SMTT, Tácio Melo. “Sou soropositivo há 16 anos e não desenvolvi a Aids porque faço meu tratamento. Uso o cartão para ir ao psicólogo, psiquiatra, pegar meus medicamentos. Já que está cortado, como forma de repúdio, entrego aqui minha carteira ao superintendente da SMTT. O que vai acontecer é que muita gente vai morrer em Maceió, por não ter condições de se deslocar para fazer o tratamento”.
Gratuidade de passagens onera a prefeitura em R$ 400 mil
Após todos os questionamentos, o superintendente da SMTT, Tácio Melo, explicou as mudanças na Lei e disse que o município não tem como arcar com todo o custo de gratuidade de passagens. “A Lei anterior, que é de 97, tratava de doenças incapacitantes e de pessoas com deficiência de forma muito ampla, o que dava várias interpretações à Justiça, que concedia passe livre para pessoas com alcoolismo, usuários de drogas e obesidade, por exemplo. A modificação teve a participação da Secretaria de saúde e do Conselho Municipal de Saúde. Em Maceió existem 16 doenças incapacitantes, além dos pacientes do HIV. Não fizemos o corte definitivo, mas a gratuidade acaba refletindo no valor da passagem de ônibus em Maceió. Para se ter uma ideia, em 2012, o custo do transporte desses pacientes era de mais de 1 milhão de reais e hoje conseguimos reduzir para 400 mil. Hoje atendemos a deficientes físicos e pacientes com HIV em estágio avançado da doença, conforme preconiza a lei. Se formos dar gratuidade a todos os soropositivos, quem vai sair prejudicado é o desempregado, que vai pagar o valor integral da passagem, que pode ficar ainda mais alta”, explicou o superintendente.
Tácio Melo destacou que não é contra, mas ressaltou que a Superintendência de Transportes não tem como arcar com os custos e nem devolver a gratuidade por estaria infringindo a Lei. “A SMTT não tem como custear todas as passagens. Se é importante para a Saúde a prevenção, teria que ter um repasse da secretaria para ajudar a custear. São R$ 400 mil mensais destinados para as passagens. A saúde também tem que ser chamada à responsabilidade”, declarou.
Vereadores reconhecem equívoco na lei e tentarão modificações
Apesar se já ter sido sancionada, desde março, o vereador Kleber Cosa (PT) disse que a Lei, de número 6370/2015 tem um erro grave e que pretende, junto com o vereador Luiz Carlos Santana (DEM), fazer um projeto de modificação. “Podemos identificar um erro crasso nessa Lei e que precisa ser corrigido. O que eu e o vereador Luiz Carlos iremos fazer é entrar com um projeto para modificar a redação do artigo 11 da Lei. Vamos requerer a tramitação em regime de urgência e tentar resolver isso ainda esta semana”, disse o vereador.
O promotor dos Direitos Humanos, Flávio Costa, mediou a audiência e disse que vai acompanhar o trabalho dos vereadores. “Nós vamos acompanhar o trabalho da Câmara de Maceió. A Lei existe, está em vigor e tem que ser cumprida. Também podemos analisar uma possibilidade de entrar com uma Ação de Inconstitucionalidade”, disse o promotor.