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Time que venceu a Roma na Champions sofre com descaso de ditador

Gol do BATE Borisov contra a Roma: time de Belarus surpreendeu a equipe italiana (Foto: REUTERS/VASILY FEDOSENKO)

A maior zebra da terça-feira na Uefa Champions League foi a vitória do BATE Borisov, de Belarus, por 3 a 2 sobre a Roma. A surpresa foi grande, já que a equipe de Barysaw é um dos conhecidos sacos de pancada da competição, mas, com um excelente primeiro tempo, conseguiu vencer a equipe que é a atual vice-campeã italiana.

Sinal de que as coisas podem estar mudando na antiga república soviética, onde o futebol tem pouco apoio e os times vivem aos trancos e barrancos para evitar a falência.

A fraqueza da modalidade em Belarus tem uma explicação: a total falta de apoio do Governo, que é o responsável por fomentar o esporte através do dinheiro das empresas estatais, como as companhias de petróleo, gás natural, mineração e energia elétrica – modelo utilizado na maioria dos países que formavam a União Soviética.

O motivo, porém, é esdrúxulo. O presidente Alexander Lukashenko, no poder há 21 anos e descrito como “último ditador da Europa”, detesta futebol, já que é um fã de hóquei no gelo e considera o esporte bretão como algo que mancha as tradições belarusas.

Desde 1990, Lukashenko usou verba governamental para construir 30 arenas de hóquei e para organizar a Copa do Mundo de hóquei no gelo na capital Minsk, enquanto os times e os estádios de futebol não tiveram nenhum investimento, deixando o campeonato nacional enfraquecido e com pouca presença de público.

Para se ter uma ideia, atualmente no país só há uma arena que atende as condições da Uefa para jogos internacionais: justamente a Borisov Arena, inaugurada em 2014 e com capacidade para pouco mais de 13 mil torcedores. O estádio virou a casa também da seleção, 97ª colocada no ranking da Fifa e que raramente enche arquibancadas.

A péssima estrutura das arenas acabou por afastar o público dos campos. Além do nível técnico dos jogos ser ruim, nos estádios de Belarus é proibido fumar e vender comida e bebida. Não à toa, a média de público da última liga nacional foi de apenas 1.853 torcedores/jogo, uma das piores da Europa.

Outro fator que afasta o público das praças esportivas são os torcedores ultra, conhecidos pela violência, e os frequentes confrontos entre a polícia e os organizados tanto dentro quanto fora das arquibancadas. Além disso, todos os fãs tem que passar por rigorosos processos de revista para entrar nos estádios. As filas de checagem ficam tão longas que muitas pessoas chegam a ver o jogo apenas a partir de intervalo.

DIMA KOROTAYEV/EPSILON/GETTY IMAGES
Ditador gosta mesmo é de hóquei

A relação entre os ultras e o ditador Lukashenko, aliás, não poderia ser pior. Com sua campanha para acabar com o futebol em Belarus, o governante é sempre alvo de protestos durante os jogos, o que sempre acaba por iniciar confrontos com a tropa de choque. Os torcedores costumam gritar a expressão ШОС (lê-se “shos”), que significa algo como “ele tem que morrer”.

Por isso, o presidente proibiu que fossem levados cartazes e faixas com qualquer tipo de mensagem ao estádio. Curiosamente, nem palavras em inglês podem ser exibidas, por medo de que os policiais não saibam o que elas signifiquem.

Time de hóquei é a potência

Alexander Lukashenko não poupa esforços nem dinheiro para manter o Dynamo Minsk, maior potência do hóquei belaruso (e de quem o político é torcedor fanático), sempre em alta e com os (altos) salários rigorosamente em dia.

O clube, que disputa a poderosa KHL (Kontinental Hockey League, que reúne times da Rússia e vários países da Europa), tem um orçamento anual de 24 milhões de euros (R$ 110 milhões) – tudo pago pelo Governo. Enquanto isso, o BATE Borisov sobrevive com “meros” 8 milhões de euros (R$ 36,5 milhões) por temporada.

Ou seja, 1/3 do que o Dynamo Minsk recebe sem esforço algum.

Na televisão local, a situação é semelhante. O hóquei no gelo tem toda a atenção, com diversas transmissões e programas sobre o esporte, inclusive nos canais estatais. Já o futebol fica resumido a algumas partidas da Premier League inglesa (o Governo só permite três a cada semana) e programas curtos com os melhores lances do campeonato nacional (isso quando os canais ainda se preocupam em gravar imagens).

A fraqueza financeira do futebol local fez com que os principais jogadores de Belarus abandonassem os clubes do país para jogar na Rússia, na Ucrânia e também no Cazaquistão, onde os clubes são ricos e fortemente financiados pelo dinheiro das estatais, quando não são propriedade de empresários milionários.

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Time de hóquei do ditador recebe R$ 110 milhões por ano do Governo

O BATE, por sua vez, sobrevive do dinheiro da montadora Borisov Automobile and Tractor Electronics, que fabrica carros e tratores e é sediada em Barysaw. Ter um parceiro forte transformou o clube na maior potência do futebol local, com nove títulos seguidos do Campeonato Belaruso (de 2006 a 2014).

Além disso, a equipe é uma das poucas que conseguem evitar a debandada de seus jogadores para outros centros. Para o BATE vender um jogador, a proposta costuma vir geralmente de um grande centro, como quando a equipe vendeu um dos principais jogadores de sua história, o meia Hleb, para o Stuttgart, da Alemanha, em 2010 – depois, o atleta ainda passaria por Arsenal e Barcelona.

Já os outros clubes de Belarus vivem de migalhas, com exceção do Dínamo Minsk FC, propriedade de Yury Chyzh, o homem mais rico do país, e que atualmente está disputando a Liga Europa, segunda competição mais importante da Uefa.