A juíza Cláudia Longobardi Campana deu três dias para o Santos quitar a dívida de R$ 2,1 milhões com a empresa Sport 10 Licenciamentos do Brasil pelo uso da imagem de Pelé. O que ninguém sabe, no entanto, é que o contrato de concessão de direitos firmado entre o clube e seu maior ídolo possui exigências duras por parte do ex-camisa 10.
No contrato firmado com o Santos ao qual a ESPN teve acesso a todo o conteúdo, a empresa diz “ter o domínio e direito de usar e explorar comercialmente, além de licenciar a terceiros no Brasil, todas as palavras, faladas ou escritas, ou símbolos, desenhos ou representações gráficas ou fotográficas ou combinações de qualquer tipo que identifiquem Pelé”.
O curioso, no entanto, são as séries de exigências feitas pelos representantes de Pelé.
A cláusula 8.3, por exemplo, diz que “em nenhuma hipótese o Santos deverá usar os direitos (incluindo com respeito a materiais de marketing) associados com ou vinculados, direta ou indiretamente, a qualquer atividade religiosa, política, entidade governamental, partido político, serviços ou produtos relacionados a tabaco, álcool, jogos de azar ou sexo ou serviços ou produtos que contenham apelos sexuais (implícitos ou explícitos) e tal uso será considerado violação contratual material deste instrumento”.
Uma série de outros itens peculiares ainda constam no documento, que possui 37 páginas.
No começo da papelada, por exemplo, a Sports 10 estabelece “definições” a uma série de palavras que serão usadas no contrato. É uma espécie de dicionário, que possui “Brasil – significa a República Federativa do Brasil” e “Sessões de Fotos – significa as sessões de fotos a serem realizadas”.
O documento prevê que Pelé pode realizar ações com o New York Cosmos e também ser usado em jogos individuais e competições de futebol a critério da Sport 10 Brasil.
Em determinado momento, a empresa exige ser reembolsada “por todas as despesas de primeira classe” relativas a viagens que Pelé tenha que fazer por conta do acordo. E o ex-atleta pode levar “três acompanhantes de sua escolha com despesas de transporte aéreo, terrestre e marítimo de primeira classe, hotéis cinco estrelas, transporte local de luxo, meios de comunicação e refeições e outras despesas previamente acordadas”.
Tudo isso, com ressalvas: “Pelé não participará ou se envolverá em atividades ou ações promocionais que possam implicar em algum risco significativo de ferimento pessoal ou que não mantenham os mais altos padrões de qualidade”. E ainda “não exercer a exploração comercial de modo que possa originar um potencial efeito desfavorável ao nome ou reputação de Pelé”.
O Santos precisa avisar com 40 dias de antecedência quando pretende utilizar o ex-jogador em aparições públicas, com a Sport 10 Brasil podendo responder em 10 dias úteis se Pelé vai estar disponível para sessão de foto ou aparição pessoal. O Rei do Futebol ainda diz que não é obrigado a participar de eventos entre 15 de dezembro de qualquer ano e 15 de janeiro do ano seguinte.
Para completar, a Sport 10 exige que o Santos não solicite “qu Pelé realize qualquer ato ou cosia que possa degradá-lo perante a sociedade ou trazê-lo ao ódio, desprez,o escárnio ou ridículo em público, ou que possa levar a comunidade a choque, insulto ou ofensa ou que ridicularize a moral pública ou a decência”.
O Santos tem que receber a aprovação da Sport 10 por escrito antes de utilizar qualquer material de marketing, incluindo vídeos, filmes, comerciais de TV, rádio, internet, shows, entrevistas, fotos, catálogos, brochuras, negativos, cartazes e outras literaturas que envolvam a marca Pelé.
O acordo foi firmado em dois idiomas: português e inglês. Nele, o Santos se compromete a pagar US$ 900 mil (com a cotação atual, quase R$ 4 milhões) pela exploração da imagem de Pelé de forma não exclusiva. O contrato foi assinado por Odílio Rodrigues, então vice da gestão Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, no dia 22 de abril de 2013 e válido até 31 de dezembro de 2014.
No entanto, em 12 de novembro de 2014, as partes assinaram um aditivo contratual com prorrogação no acordo por mais 50 anos, com acréscimo de US$ 1,2 milhão (cerca de R$ 5 milhões nos dias de hoje). Obiviamente, o vínculo deixaria de existir após a morte do ex-jogador, que já está com 74 anos.
Na ocasião, Pelé declarou, em nota oficial: “O Santos acreditou em mim quando eu era jovem e me transformou no homem que sou e no atleta que fui. O Santos está no meu sangue, está comigo onde quer que eu vá e eu falo sobre o clube em todas as partes do mundo. Estou ansioso para trabalhar e ajudar o Santos em suas estratégias e programas para garantir que ele seja sempre reconhecido como o melhor clube de futebol do Brasil”.
Por outro lado, nem um centavo foi pago até o momento desse vínculo, que teria parcelas somente na gestão Modesto Roma, que assumiu no começo de 2015, além de uma dívida de US$ 400 mil do acordo anterior.
A decisão da Justiça favorável aos advogados de Pelé, publicada no fim do mês passado, ainda prevê que o time alvinegro pode oferecer embargos no prazo de 15 dias se pretende se defender, contados a partir da citação do clube por meio de um oficial de Justiça.
No caso, o Santos não pagou a última parcela do contrato de 250 mil dólares, cujo vencimento ocorreu no dia 10 de julho de 2014, durante a gestão do ex-presidente Odílio Rodrigues, mais um aditivo de US$ 400 mil previsto no vínculo, em junho, julho, agosto e setembro desse ano, já com Modesto Roma, o que totaliza 650 mil na moeda americana.
A Sports 10 diz que tentou conversar com o Santos para o pagamento da dívida, mas não conseguiu chegar a um acordo. O clube, por outro lado, ainda não foi citado oficialmente e vai aguardar o contato da Justiça para se manifestar.
A empresa ainda exigiu segredo de Justiça no processo, o que foi negado pela juíza Cláudia Longobardi Campana.