Poucos jogadores tomam algum posicionamento mais forte em questões polêmicas da política europeia atual, como a crise de refugiados e a “guerra fria” entre as comunidades católicas/judaicas e muçulmanas nas grandes cidades do “Velho Mundo”.
O zagueiro Vincent Jean Mpoy Kompany, capitão do Manchester City e avaliado em R$ 122 milhões (segundo o site Transfermarkt), porém, não tem medo de dizer o que pensa.
Filho de refugiados políticos do antigo Zaire (atual República Democrática do Congo), o astro da Premier League e da seleção belga levantou a bandeira do respeito mútuo e vem tomando a frente de diversas ações de integração em seu país natal, com o objetivo de formar uma “Bélgica colorida, pacífica e unida, independente de raça, credo ou nacionalidade”, em suas próprias palavras.
Nascido em Uccle, na grande Bruxelas, Kompany é desde 2013 o dono do BX Brussels, clube fundado no bairro de Molenbeek, casa da maior comunidade muçulmana da Bélgica – e justamente onde a polícia vem conduzindo buscas incessantes atrás de suspeitos dos atentados ocorridos na última sexta-feira, que deixaram cerca de 130 mortos em Paris.
O zagueiro colocou sua irmã, Christel, como presidente da equipe, que disputa a 5ª divisão nacional, e passou a tomar conta da escolinha do clube. O local abriga cerca de 1 mil garotos de todas as origens, mas a maioria filhos de imigrantes. Tudo para tirá-los das ruas e tentar dar uma vida nova, quem sabe descobrindo um “novo Kompany”.
Para cuidar da escola, o defensor também se matriculou em um curso de administração de empresas, que ele frequenta em seu tempo livre em Manchester.
“Eu cresci em Uccle, que não era um bairro fácil de se viver. Sei o que essas crianças passam todo dia. Eu e meus amigos tinhamos que lidar todo dia com racismo e preconceito durante a infância. Isso tornou-se parte do meu caráter. Aprendemos a enfrentar esse problema e seguir em frente”, contou Kompany, em entrevista à CNN.
O capitão da Bélgica não revelou o quanto investe no complexo esportivo que montou em Molenbeek, mas disse que gasta “uma boa parte” de seu salário para manter a estrutura. PelosCitizens, ele fatura 480 mil libras (R$ 2,8 milhões) por mês.
“Sei que essa é uma oportunidade que pode significar muito para as pessoas. Quando comprei o time, foi para criar algo para dar às crianças a oportunidade de ter uma rotina diferente, longe dos problemas”, afirmou.
“Sei que ganho um bom salário, mas não faço isso como retribuição. Acho que é parte do meu DNA. O dinheiro que ganho me deu a oportunidade de apoiar uma série de causas, é algo que me deixa muito feliz. Mas, mesmo que eu ganhasse menos, ainda assim faria isso”, completou.
O clube, aliás, tinha outro nome: FC Bleid-Molenbeek. Após comprá-lo, porém, Kompany promoveu um concurso para escolher um novo nome para a agremiação. O vencedor foi a sugestão “BX Brussels”, já que “BX” é como os jovens se referem a Bruxelas.
No final de agosto, o astro do City participou de uma ação divertida, na qual enfrentou 100 crianças ao mesmo tempo. Como era de se esperar, levou um tremendo sacode.
No campo da cidadania, porém, ganhou de goleada.
Sem papas na língua
Enquanto vários astros muçulmanos do futebol, como Zidane, Ribéry e Benzema, preferiram o silêncio e não fizeram nenhum tipo de comentário sobre os atentados recentes em Paris (o da última sexta e o de janeiro deste ano, na redação da revista satírica Charlie Hebdo), Kompany decidiu opinar, mesmo não sendo muçulmano.
Logo após o massacre noCharlie Hebdo, Kompany mostrou não ter medo dosjihadistas e usou suas sempre ativas contas no Twitter eFacebook para postar uma mensagem de condolências às vítimas e pedir liberdade.
“A Kalashnikov silencia o indivíduo, mas encoraja as massas. Liberdade de expressão!”, postou, em mensagem que foi mundialmente compartilhada – até por se tratar de um raro caso de um jogador de futebol profissional que se envolveu em um assunto delicado.
No entanto, como também era de se esperar, Kompany teve que também lidar com uma série de comentários que criticaram suas postagens. Muitos disseram que ele, por não ser muçulmano, não deveria opinar sobre o tema. O atleta do City também recebeu uma enxurrada de comentários racistas e preconceituosos.
Nada que o assustasse, porém. Assim como não tem medo dos atacantes rivais, o zagueirão promete continuar enfrentando a intolerância com a mesma coragem.